 |
Philippe Jaccottet. Foto: Ayse Yavas |
Depois da morte de Philippe
Jaccottet em 2021, viramos mais uma página na história da poesia. Sentimos que
deixamos definitivamente para trás a literatura do século XX. Nascido na Suíça
em 1925, Jaccottet foi o último de uma geração de grandes escritores. A geração
dos anos 1920. Ele era um ano mais novo que André du Bouchet; dois anos mais
novo que Yves Bonnefoy, falecido em 2016; cinco anos mais novo que Jean
Starobinski, que nos deixou em março de 2019. Ele também era dois anos mais
velho que Jacques Dupin, falecido em 2012.
Uma mesma geração. Quatro grandes
poetas: Du Bouchet, Dupin, Bonnefoy, Jaccottet. E a amizade os unia. Jean
Starobinski foi um dos maiores divulgadores de suas obras. Começaram a
escrevê-las na década de 1950. Vários pontos em comum os uniam: o
distanciamento do surrealismo; a desconfiança compartilhada em relação às
imagens; uma poesia ética fundada no sujeito e na verdade do vínculo com o
mundo; uma prática comum de tradução; fortes relações entre prosa reflexiva e
poesia; e uma interrogação sobre a arte, particularmente a pintura. Esses
poetas se encontraram na década de 1960 em torno do periódico
L'Éphémère,
que também contava com importantes críticos que se tornaram seus amigos, como
Gaëtan Picon e, claro, Jean Starobinski. Philippe Jaccottet se aproximaria
ainda de Francis Ponge e Henri Thomas.
A imagem do poeta soturno,
discreto, na reclusão de sua casa em Grignan, não deve obscurecer uma produção
epistolar que revela uma significativa sociabilidade e ética de amizade. Por
mais recluso que fosse, Jaccottet manteve uma tríplice relação com o mundo
literário: por meio de sua extensa dedicação ao trabalho como tradutor, que
ultrapassou as esferas germânica (Hölderlin, Rilke, Musil etc.) ou italiana
(Ungaretti) para se aproximar do espanhol ou mesmo do russo; por meio de seus
inúmeros artigos críticos, que frequentemente submetia a importantes revistas
literárias suíças ou francesas; e por sua abundante correspondência com seus
amigos poetas e artistas visuais. O poema, a tradução ou a prosa crítica, que
poderíamos chamar de prosa de arte, são todos feitos pela mesma mão de Philippe
Jaccottet.
Talvez leve tempo, muito tempo,
para nos familiarizarmos com sua obra poética falsamente simples. O voto de
transparência e discrição, a proclamação da ignorância, não devem nos enganar:
o segredo — assim como o enigma —, a enorme cultura do poeta-tradutor, todas as
suas leituras, compõem uma obra infinitamente rica e complexa. Mas isso não
deve inspirar medo. Não há necessidade de se preocupar com isso; a coruja, uma
ave de rapina noturna também é chamada de dama branca por ter um rosto branco
em forma de coração.
L'Effraie (
A coruja) é o título do primeiro
livro de poemas de Philippe Jaccottet, publicado em 1946, o primeiro realmente
assumido como sua primeira obra. É adorável. Assim como todas as primeiras
obras de grandes escritores. Sempre me pareceu que nelas se contém o germe de
tudo o que vem depois. Porque os poetas são talvez também profetas. Leio o
poema de abertura deste compêndio, como se quisesse oferecer o destaque à obra:
A noite é uma grande cidade
adormecida
onde o vento sopra... Veio de
longe para
o refúgio deste leito. É junho e é
meia-noite.
Dormes, trouxeram-me a estas
margens infinitas,
e o vento sacode a aveleira. Vem esse
chamado
que se aproxima e recua, poderia
jurar
que é um relâmpago e escapa pelos
bosques, ou
que são sombras em movimento, diríamos,
pelo inferno.
(Daquele pio na noite de verão,
quantas coisas
poderia dizer, e dos seus
olhos...) Mas não é
nada mais que a coruja, o pássaro
que nos chama das profundezas
destes bosques suburbanos. E agora
o nosso cheiro
é o da decomposição ao amanhecer,
sob nossa pele tão quente arde o
osso,
enquanto as estrelas se afundam
nas esquinas das ruas.
Tudo já está neste poema.
Um poeta é aquele que responde ao
chamado da dama branca da noite, ao seu uivo. Um poeta será aquele que, como a
coruja, permanece nas periferias das cidades, nos bosques suburbanos, como
Jaccottet sempre se manteve distante do agito da vida citadina. Não se deve
imaginar, então, um poeta da modernidade urbana, como Michel Deguy, que
atravessa cidades nas horas de pico.
Philippe Jaccottet, como Yves
Bonnefoy, é o poeta da presença sensível da terra. Ele avança entre a grama e a
água, entre as pedras, atento a uma natureza que se repete continuamente, com o
olhar voltado para a verdadeira boca da terra. O último verso do terceiro poema
de
L'Effraie é o seguinte: “Falo apenas a ti, minha ausente, minha
terra.”
Do poema liminar podemos tirar uma
segunda lição: a presença e o trabalho da morte, neste caso em sua dimensão
mais física, mais carnal: o realismo cru, ainda baudelairiano, da decomposição.
O poeta ouve o chamado da dama branca: “E agora nosso cheiro/ é o da
decomposição ao amanhecer,/ sob nossa pele tão quente e pungente arde o osso/
enquanto as estrelas afundam nas esquinas das ruas.”
Uma única noite terá sido
suficiente para que a morte realizasse sua obra de decomposição no próprio
coração dos vivos. Um poeta será então aquele que coexiste com essa obsessão
pela morte, aquele que tem uma presciência constante dela, aquele que faz dela
o tema central da poesia. Uma poesia necessariamente “pensante”, ou
“metafísica”, nas palavras de Jaccottet.
O último verso do poema, mais do
que qualquer outro, deve capturar nossa atenção: por que as estrelas teriam que
afundar nas esquinas das ruas? Para o dia nascer? Não! Porque o mundo moderno,
o mundo do pós-guerra, emerge de uma noite terrível. Porque muito antes dos
dramas do século XX, um poeta colocou em palavras o retiro dos deuses,
Hölderlin, que Jaccottet lê e traduz com grande cuidado. Essas estrelas que
simbolizam a transcendência a atravessarem o naufrágio da história. A poesia
moderna, em uma de suas maiores vozes, nunca deixou de falar de sua decadência,
seu desaparecimento, sua transformação em pedra, que, nesta terra, são como o
rastro do que foi. Yves Bonnefoy escreveu em
Ce qui fut sans lumière: “saio/
há milhares de pedras no céu.”
O que é dito no poema de abertura
de
L'Effraie define, a meu ver, três fios condutores na poética de
Philippe Jaccottet. Para começar, uma busca obstinada pelo real, pela beleza
emergente do mundo, une a fenomenologia da presença sensível da natureza.
Experiência ordinária, que cada pessoa recebe, e ainda assim tão cheia de
mistério.
Depois, uma interrogação não menos
obstinada da morte, capturada não como o fim da vida, mas como a presença do
infinito no finito, da escuridão na luz. Para Jaccottet, a beleza do mundo ou
da nossa vida se deve fundamentalmente à nossa existência mortal. A beleza
existe apenas para um ser prometido à morte. A beleza importaria para um ser
eterno?
Em última análise, essa dupla
experiência de beleza e morte leva o poeta a rejeitar qualquer horizonte
teológico ou místico. É claro que a beleza da luz é ilusória; é claro que, a
cada momento, essa luz conduz o poeta de volta ao enigma do vivo, mas apenas a
realidade importa. Jaccottet parece apegado demais a ela para fazer concessões
a tentações teológicas ou especulativas.
Em última análise, a finitude é o
maior mistério para Jaccottet. É o próprio objeto e material de seu poema. É
também a condição da beleza. E essa beleza é, antes de tudo, a da terra, da
natureza, da vida humana, antes de ser a da própria arte e da poesia. Embora a
beleza exista na arte, ela é primeiro “vislumbrada na vida” e “reencontrada,
distintamente, nas obras” (
Une transaction secrète).
Comentários