“As mortas”: horror e humor made in México
Por Ernesto Diezmartínez

“À memória e ao gênio de Jorge Ibargüengoitia”, diz a dedicatória que aparece no final do sexto e último episódio de As mortas (México, 2025), a primeira série televisiva dirigida por Luis Estrada, fiel, conscienciosa e até laboriosamente baseada no romance homônimo escrito pelo escritor de Guanajuato e publicado em 1977. É uma homenagem simples que soa sincera e, suspeito, até pessoal.
É provavelmente uma coincidência, mas a obra-prima inicial e insuperável de Estrada, a sátira anti-PRI A lei de Herodes (1999), compartilha o mesmo título — embora a premissa seja completamente diferente — do hilário conto escatológico de Ibargüengoitia que deu nome ao seu livro de contos de 1967. Há também o detalhe biográfico de que, ao dirigir As mortas, o diretor de Um mundo maravilhoso (2006) seguiu os passos de seu pai, o vigoroso cineasta populista José Estrada, que na época dirigiu a louvável, embora irregular, adaptação de outro romance homônimo de Ibargüengoitia, a farsa política Matem o leão (1975).
De qualquer forma, para além das coincidências ou do desejo (in)consciente de herdar o legado paterno, existem, de fato, nos melhores filmes de Luis Estrada, especialmente em certos momentos da já mencionada A lei de Herodes, elementos de ligação com a obra de Ibargüengoitia, especialmente naquele despojamento da típica gentileza quase untuosa como forma de perversa hipocrisia cotidiana e, mais ainda, naquele ridículo constante da sufocante solenidade dos políticos mexicanos — os de ontem, os de hoje e, suponho, os de amanhã — sempre prontos a proferir um discurso belamente patriótico e inspirador na primeira oportunidade.
Mesmo assim, apesar de não conseguir pensar em outro cineasta mexicano contemporâneo mais bem preparado para adaptar o humor afiado e seco de Ibargüengoitia ao cinema ou, neste caso, à televisão, devo confessar que As mortas me surpreendeu. Eu presumi que os recursos de produção e os próprios do visual seriam impecáveis, e de fato são, começando pelo design de produção impecável de Salvador Parra, o figurino evocativo de Gilda Navarro e, acima de tudo, o trabalho de câmera fluido de Alberto Anaya Adalid, em constante movimento dentro dos bordéis — por exemplo, o plano-sequência no episódio dois, que começa em uma rua movimentada e continua pelo interior de um dos bordéis — através do manejo elegante do claro-escuro constante que ilumina e obscurece a ação — aquela escuridão banhada por halos repentinos de luz que filtram através do teto em algumas cenas — e através da alternância dos espaços abertos e áridos das locações de San Luis Potosí com aquelas tomadas clássicas ao estilo Ford nos episódios finais, quando vemos, tanto do interior quanto da escuridão, o vasto e desolado terreno onde alguns das “mortas” acabarão enterradas.
Essas virtudes formais da série — e outras, como a astuta supervisão musical de Dan Zlotnik, que utiliza o marcante “Veracruz”, de Agustín Lara, em diversas ocasiões, em diferentes circunstâncias e com significados sempre novos, do puro romantismo à ameaça mortal e ao arrebatamento nostálgico — não me surpreenderam em nada. Afinal, mesmo em seus momentos mais infelizes — como em seu filme mais recente, o cansativo ¡Qué viva México! (2023) — Estrada e sua equipe sempre souberam fazer cinema.
O que me surpreendeu, na verdade, foi a contenção de Estrada em trazer para a tela a conhecida história mitificada/mistificada das três irmãs González Valenzuela, célebres matronas que foram donas de vários bordéis em Guanajuato e Jalisco entre 1954 e 1964, a mesma premissa de roteiro foi usada e adaptada para o cinema por Felipe Cazals em Las Poquianchis (1976), o mais cruel de todos os seus filmes e o último de sua controversa trilogia Alarma!, seguindo os marcantes Canoa (1975) e El Apando (1975).
Ao contrário de Cazals, Estrada não se detém nos detalhes mais brutais da história aqui, mas concentrou seus esforços, por um lado, na caracterização precisa de todos os personagens e, por outro, em uma fidelidade cirúrgica ao impassível senso de humor de Ibargüengoitia, que ele traduz com sucesso para a tela. Desta forma, a repelente mas irresistível biblioteca monstruosa de As mortas é encabeçada pelas espinhentas irmãs Baladro, a feroz Arcángela (Arcelia Ramírez transformada até no seu modo de andar), a “apaixonada” Serafina (Paulina Gaitán sempre brusca) e a modesta Eulália (Leticia Huijara com seus modos idiotas), que reinam, apoiadas pelo sinistro Capitão Bedoya (Joaquín Cosío por trás de óculos escuros diazordacistas), sobre uma fauna heterogênea das forças políticas e sociais dos estados de Mezcala — isto é, Jalisco — e Plan de Abajo — Guanajuato —, escravizando cruelmente durante anos várias dezenas de degradadas jovenzinhas entregues/ vendidas por suas próprias famílias para trabalharem como prostitutos em algum dos bordeis, entre um estado e outro, essas devotas empreendedoras irmãs católicas.
Apoiado pelas atuações desse impressionante elenco diverso (o que aconteceu com Damián Alcázar, aliás?), Estrada realiza um verdadeiro milagre: captar, de tempos em tempos, o humor seco de Ibargüengoitia através da montagem abrupta, mas perfeitamente eficaz, de Mariana Rodríguez. Por exemplo, se no romance, o chahuistle cai sobre um personagem após um período que pode ser descrito em uma simples frase de uma linha (“Esta assinatura lhe custou seis anos de prisão”), esse hilário momento literário é interpretado por um magnífico Alfonso Herrera em sua melhor imitação de Pedro Infante, que, após fazer algumas perguntas a um atento Promotor Público (Enoc Leaño), decide insensatamente contar a verdade para que mais tarde, em um corte direto, vejamos o mesmo personagem atrás das grades, lamentando sua má sorte por ter confiado na “cega” justiça mexicana.
O sucesso alcançado pelo seu respeito irrestrito pelo escritor — que aparece ao longo da série nas bordas do enquadramento, como se fosse o jornalista de Cidadão Kane (Welles, 1941) — é tão evidente que as poucas vezes em que o cineasta extrapola seus limites são quando ele e seus roteiristas — seu colaborador habitual Jaime Sampietro e o especialista em suspense televisivo Rodrigo Santos — se desviam do romance original, como no final do quarto episódio, quando vemos o simbolismo evidente do abutre empoleirado em um cacto devorando uma cobra.
Estrada realizou, assim, seu melhor trabalho em muitos anos, retornando a um estilo, em forma e conteúdo, menos sobrecarregado e muito mais refinado, bem abrigado sob a sombra do “gênio” de Ibargüengoitia. Cada um dos seis capítulos, aliás, termina com o selo orgulhoso de que tudo o que vimos foi “Made in México”. De fato, além da ironia, a história de As mortas poderia obviamente ter acontecido em qualquer país do mundo, mas essa mistura particular de horror e humor é muito “Made in México”, escrita por Jorge Ibargüengoitia e filmada por Luis Estrada.
* Este texto é a tradução livre de “Las muertas: horror y humor en México”, publicado aqui, em Letras Libres.
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