White e Pink, de alunos de Cães de Aluguel a traficantes de Breaking Bad


Por Wagner Silva Gomes



No filme Cães de Aluguel, o mandante do crime, o que organiza a quadrilha, ao contratá-la e reuni-la para passar a tática do assalto a joalheria, discutindo como seria o processo para a execução do crime, numa espécie de aula, com quadro-negro, giz e tudo o mais, no estilo clássico de sala de aula, dá a cada um dos contratados um codinome. Dentre eles está White e Pink, os dois parceiros de Breaking Bad.

O então Pink, um jovem rapaz, recusa o apelido, manifestando uma atitude de adolescentes machistas que internalizaram a moralidade patriarcal burguesa comumente externada em ocasiões do tipo para reforçar sua masculinidade para se autoafirmar ou se impor diante de um grupo de perfil igual.

Com isso o então White, um homem já de meia-idade, maduro, o aconselha como um pai, que zela pelos rebentos e quer ensinar o filho a respeitar as regras, começando por saber brincar com os coleguinhas, aceitando o tal apelido, pois é apenas um dentre tantos outros, e ainda por cima é um nome falso.  

Outros contratados de mesma idade riem e ironizam como coleguinhas adolescentes que implicam com o colega o qual foi apontado uma falha, um defeito, o zoando, como se costuma dizer, rindo e ironizando.

Como uma família de classe média, nos moldes burgueses, todo pai de família que zela pelo sustento da casa, pela moral e os bons costumes, apesar de também ser contrário a meninos usarem rosa, criando o filho no padrão azul, tem o álibi do patrão que o considera exemplo de funcionário. Assim, White tem o respaldo do mandante do crime, o dono do negócio, que dá a Pink as opções de trabalhar no negócio com as regras que ele coloca ou se quiser sair. O patrão em outros termos respalda dessa forma que o nome é algo sem consequência, temporário, e contestá-lo em usar é idiotice. E pensando bem o nome não tem o peso significativo que teria para uma pessoa engajada na causa LGBTI, ou no contexto escolar de um aluno gay enrustido vítima de bullying ou zoação.

Pink então concorda em manter o codinome, como um aluno que sem saídas é obrigado pelo diretor da escola a levar a advertência para que o pai assine e entregue de volta, só assim podendo frequentar as aulas novamente. Seria como levar essa advertência para o White assinar.

Nesse momento, todos os elementos que apontam para o cômico voltam-se contra os criminosos, mostrando que aquela quadrilha não é pra se levar a sério, o que ressalta os elementos cenográficos nesse sentido, desde a garagem com aparência de sala de aula, às cadeiras de bar, aos alunos malcomportados e seus trejeitos. Com isso, o que parecia ser um filme no gênero crime, sério, torna-se um filme de comédia. No entanto, esse é o momento mais epifânico e ao telespectador essa revelação é como uma tragédia, algo espantoso, e daí o filme passa a ser ainda mais complexo, pois esse núcleo fílmico é um núcleo de relações sociais, que é algo problemático no seio do modelo burguês de família.

Aí está posta uma tribo como eram as dos exilados do Egito. Aí está posta a santa ceia. Mas esta é uma ceia de Cães de Aluguel, e, portanto, com quase nenhum respeito pelo ser humano, e consequentemente por eles mesmos, que se devoram. Tem nela o elemento que despreza as regras acordadas ali, ou seja, o rebelde, que aqui é levado ao extremo da psicopatia, do sadismo. Tem a não consideração pelo papel da mulher, que não é importante em momento algum, só mostrada na figura de uma garçonete que os serve quando se reúnem em uma lanchonete, apesar do vestígio de apreço pela figura feminina quando um dos integrantes diz gostar de Madona, de “Like Virgian”, o que rende a primeira discussão machista. Tem o que irá se sacrificar, que tanto confiava em determinado membro e é enganado. Tem o traidor. Aliás este ferido ser o traidor aponta para outro machismo, o de quem se coloca em situação de fragilizado, parecido com a mulher, não ser confiável. No entanto é irônico que nem um homem do grupo foi confiável perante o companheiro e nenhum deles é confiável perante um ao outro.

A trama então gira em torno dessa alegoria de cães, que sendo o que são metaforicamente, ainda são piores porque são alugados.  Desse núcleo então são jogados elementos como pedaços de carne, que irão gerar disputas sanguinolentas, mas com o apuro do olhar de quem conta a história, nesses pedaços estão contidos a dúvida, a reflexão, a consequência ou não de certo plano, certo dado fílmico, do horror que os seres humanos podem causar. Este sangue, concentrado principalmente numa pessoa, ferida na barriga, lembra que o homem como a mulher, também sangra, algumas vezes muito próximo ao que envolve a dor do parto. Daí, ao invés de prestar auxílio, os machões que não sangram se envolvem em uma rede de apontar o possível traidor, o que fodeu com eles, com os planos e com aquele homem estirado no chão que mais lembra uma mulher, com o perdão do uso que faço de linguagem no nível do machismo que é mostrado.

Já na série Breaking Bad o núcleo que espatifa os pedaços (como a carne) é a notícia do câncer do personagem Walter White. Seu prenome vem do nome germânico Waldhar, que se refere aquele que comanda. Tem-se assim a seguinte lógica: aquele que comanda é branco. Donde se pode interpretar que a presença do dábliu do primeiro nome se confirma, se repete em outros termos, em seu V de vitória, que se desdobra.

O personagem chega a vislumbrar o seu nome vendo nele a identificação com Walt(er) Whitman, o poeta das Folhas de Relva, e como bom químico realmente faz poesia na elaboração da droga chamada na séria de cristal azul. Mas Walter não aproveita o dia com ócio criativo, o que ele faz é viver como uma bomba, trabalhando ainda mais, e, no entanto, mais entusiástico, ativo, tomando agora atitudes sem medo, com autoconfiança, autonomia, vontade-própria, reformulando em outros termos seus sonhos de juventude, como uma “canção de si mesmo”, lembrando outra vez o poeta, refazendo através da química toda a realidade dos sonhos que teve e passou a ser um pesadelo da vida burguesa: com alunos que não se interessam por suas aulas; com um laboratório pífio – “de brincadeira” pra aluno; com seu empreendimento com colegas de faculdade, que foi vendido como empresa júnior e veio a gerar bilhões para quem o comprou; com a cônjuge que o considera um “banana”; um cunhado que trabalhando pra Narcóticos vive o diminuindo, mostrando que ele é que ganha dinheiro, é o másculo, o que comanda, o que tem coragem, o que fala grosso; e um filho que admira o tio tendo-o como exemplo.

Pink, então, aluno desinteressado, ruim que era, como traficante passa a ser visto com toda a coragem que o senhor White (senhor Branco) não tem, como o chama o primeiro, com sua vestimenta de rapper e seu gingado, ora ironicamente ora respeitosamente.

 O senhor White vê no Pink toda a sua juventude roubada, que se não era engajada nem por política nem por direitos das minorias, também não queria levar a efeito a moral da família burguesa.

O brilhantismo que este alcança com o aluno evadido na produção de cristais, trabalhando com ele praticamente em tempo integral, com toda a idiotice da “formação” que no dia a dia têm que lidar, mostrou uma outra alternativa de vida a Walt, uma alternativa em que realmente ele tivesse controle da situação, podendo mostrar seu valor. Porém, tudo isso é feito vislumbrando o mesmo patriarcado ao qual pertence o cunhado, a mesma família burguesa, e assim, como em Cães de Aluguel, o senhor White se mostra como um pai que aconselha Pink, mas quem assume o nome falso é ele, o “Heisenberg”, que na aparência de vida que começa a ser bem-sucedida vai ganhando o álibi do cunhado e de toda a família, que o apoia. É ele que aceita e lhe põe este apenas apelido, e é ele mesmo que leva a adiante a apenas falsidade do nome, o aproveitando enquanto o câncer não o mata.
Mas Pink é Pink mesmo, seu nome é este, e é no núcleo da relação social que evoca professor-aluno, pai-filho etc., que está a fraqueza de Walt. Na verdade dos dois.

Pink não consegue ser tudo o que o senhor White queria, apesar de, agora aluno bem-sucedido , aprender tudo o que Walt o ensina, e por em prática, Pink não é feliz, não se sente bem com os horrores que tem que praticar para “se dar bem”. E ele faz Walt sentir o mesmo, pois apesar de Walt o corrigir, o mostrando como é ser profissional, o levando a valorizar a vida de endinheirados que eles levam, Walt sabia que ele nunca iria se conformar. Pink admira Walt e ele o admira, mas a relação desta forma passa a ser inconsequente, e então se igualando ao primeiro White, o do filme tratado anteriormente, este White, volta ao papel de aluno de Cães de Aluguel, e os dois passam a se implicar, um querendo ser melhor que o outro, um desacreditando o outro como um traidor, Pink porque não é o aluno, filho, amigo que Walt queria que ele fosse, e este porque Pink não o vê como um mestre digno de admiração, enxergando todo o horror que gerou ele assumir aquele nome falso, Heisenberg. Daí então um passa a ser extremamente danoso para o outro, como vez ou outra foi mostrado nos indícios que trariam essa confirmação (Pink como má companhia, maconheiro e jovem inconsequente, aluno evadido; Walt como o carrasco das notas, que virou o assassino de gente, o professor-traficante, corruptor de aluno).

Por fim, a pergunta que fica é: Como eles sobreviveram a “Cães de Aluguel”?!

White e Pink não devoraram o patriarcado burguês de verdade e nem foram totalmente devorados, outros, que podiam ser eles, sentiram a mesma fome e anos depois deram sequência aquele grupo de alunos, cujo tom de rosa, que não tinha significado nenhum de sexo, passou a ser usado por eles, até como desprendimento binário, na mesma sala, com aluno homônimo de outro que passou por ali, com professor homônimo de outro que deu aula ali, como diria o rapper Edi Rock, que na vestimenta lembra o estilo de Pink, “Sim... a escola sempre é cara/ O tempo é rei, disso eu sei, o relógio não para/ Cara a ferida sara mas a alma não tem cura/ Na sua arrogância ou na sua humildade pura/ Se segura que o que eu te ofereço é muito bom”.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Boletim Letras 360º #579

Boletim Letras 360º #573

Seis poemas-canções de Zeca Afonso

A bíblia, Péter Nádas

Boletim Letras 360º #574

Confissões de uma máscara, de Yukio Mishima