Solidão interrompida

Por Maria Betânia Monteiro



Certamente a nova geração de leitores desconhece a obra de Walflan de Queiroz, um dos mais significativos poetas potiguares. O fato se deve principalmente a circulação restrita de seus livros nas bibliotecas do Estado. Para tentar mudar esse vácuo do destino, estudiosos buscam incentivo financeiro para divulgar a obra do poeta e escritor Walflan de Queiroz. Agora em 2010 completam-se 15 anos da morte do potiguar que nasceu em 1930, publicou oito livros de poesia e cerca de noventa trabalhos entre artigos, crônicas e pequenos ensaios impressos nos jornais de maior circulação no Estado.

Para facilitar o acesso aos novos leitores, uma coletânea dos livros do poeta, organizada por Márcio Simões, deverá ser lançada pela editora Escrituras, em São Paulo. Além deste, outros dois livros estão a caminho: Biografia de Walflan de Queiroz e Obra em Prosa de Walflan de Queiroz, ambos do pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, João Antônio Bezerra.

A coletânea, obra já cooptada pela editora Escrituras, aguarda patrocínio para ser impressa. “Esta obra é uma reunião, num único volume, dos oito livros de poesia de Walflan publicados originalmente nas décadas de 60 e 70, raridades bibliográficas hoje em dia”, explica Márcio Simões. Caso consiga o financiamento esperado, já que depende da aprovação e patrocínio por parte da Fundação José Augusto, o livro sairá dentro de uma coleção da editora chamada Letras do Nordeste.

Já a Biografia e a Prosa de Walflan de Queiroz percorrerão um caminho mais longo antes de serem publicados. Os textos fazem parte da pesquisa do doutorando João Antônio Bezerra, aluno Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem do Departamento de Letras, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Eduardo de Oliveira. “Há dois anos iniciei a biografia de Walflan de Queiroz, paralelo a isso acabei descobrindo crônicas, artigos e pequenos ensaios em quantidade expressiva nos jornais do Estado. Recolhi estes textos como sendo a prosa dispersa de Walflan de Queiroz”, explicou João Antônio. “Pretendo publicar tanto a tese, quanto a prosa em formato de livro, mas esta é uma proposta para o futuro”, concluiu o pesquisador.

A trajetória do poeta e o anti-prefácio de Cascudo

Enquanto o livro não é lançado, o pesquisador João Antônio adianta alguns dados sobre o poeta potiguar: Francisco Walflan Furtado de Queiroz nasceu em São Miguel, pequena cidade situada na Serra do Camará, no Rio Grande do Norte, em 31 de maio de 1930. Filho de família bastada, cursou Direito na Universidade de Pernambuco, concluído em 1956. Aos 26 anos abandonou a profissão para dedicar-se exclusivamente à poesia. Publicou oito livros entre as décadas de 70 e 80, todos considerados raridades. O primeiro deles, O tempo da solidão, prefaciado por Câmara Cascudo. “Conheci Walflan de Queiroz antes e depois de sua aventura no mar, um mar amargo e sonoro que o impregnou de sal e de melodias distantes e nostálgicas”, escreveu Cascudo no que chamou de anti-prefácio.

Walflan ingressou na marinha mercante na juventude. Portanto, foi marinheiro. Viajou em um cargueiro que contornava a costa da América do Sul e entrava no mar do Caribe. Essa única viagem ocorreu precisamente em 1956 e traz reflexos para a sua obra. Suas poesias sempre retomam o tema do mar e da viagem misturando elementos da literatura.

“Para mim, como pesquisador de sua obra, o trecho de Cascudo citado no anti-prefácio é valioso no sentido de que nos fornece dados, ainda que imprecisos, de uma existência aventureira do poeta”, diz.

Bacharel em Direito, o poeta potiguar não exerceu a profissão. Preferiu ter uma vida marcada intensamente pela poesia, pelo contato com o mundo. “Walflan de Queiroz deixou-se influenciar pelo romantismo inglês. No Grande Ponto, na década de 50, declamava os poemas de Poe e de Rimbaud”, revelou João Antônio. “Havia outro poeta que Walflan Admirava muito, o poeta americano Hart Crane, que se suicidou no mar. Esse tema da morte de Hart Crane, Walflan tematiza em alguns poemas”, completou o pesquisador.

Misticismo e religiosidade permeiam obra

Além de ser marcada por suas incursões ao mar, a poesia de Walflan de Queiroz tem uma influência mística e religiosa muito forte. “A sua inclinação mística para as coisas do sagrado o fez ingressar no mosteiro trapista no Paraná. Mas só alguns meses. Foi uma experiência mística de fundamental importância para a sua vida e obra poética”, explica o pesquisador João Antônio Bezerra.

Outra característica marcante da poesia de Walflan de Queiroz, de acordo com Márcio Simões é sua honestidade. “As poesias atuais são marcadas pela ironia e esperteza. O autor prevê a reação do leitor e joga com esta informação. Walflan era diferente. Ele era honesto com os sentimentos e é por isso que sua poesia toca”, analisa Simões.

Walflan de Queiroz teve a vida intelectual interrompida pela esquizofrenia. A doença evoluiu para um quadro grave de loucura no final dos anos 70 e ele teve de ser internado. Passou mais de dez anos recluso em um sanatório. Morreu no dia 13 de agosto de 1995, com 65 anos de idade.

 
* Texto publicado inicialmente em 02 de Fevereiro de 2010 no Caderno Viver, do jornal Tribuna do Norte. 

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