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Mostrando postagens de 2025

A alma das imagens: Frankenstein, de Guillermo del Toro

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Por Juanna Ruiz  No primoroso filme Na alcova do sultão (Javier Rebollo, 2024), os personagens, brincando de fazer cinema numa época em que a sétima arte ainda dava seus primeiros passos, se perguntavam: as imagens têm alma? E se lançavam numa investigação empírica da única maneira que sabiam fazê-lo: com uma câmera, um projetor e celuloide. Aqui estamos nós, um século e um quarto depois daqueles pioneiros, ainda tentando responder à mesma pergunta, embora o senso comum nos diga que a resposta deve ser necessariamente afirmativa. A mais recente exploração desse tema vem de Guillermo del Toro, que entende muito de almas e imagens. Uma adaptação, como já deveríamos saber, não é necessariamente melhor por ser mais fiel ao material original. Nem pior. Há muitos exemplos de filmes ruins que foram fiéis ao material original e excelentes traições literárias. Mas este Frankenstein que chegou de Veneza (e de San Sebastián e Sitges) com o burburinho de ser uma das adaptações mais fiéis ao ...

Anotações escritas à margem de traduções de Sapho de Lesbos

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Por Márcio de Lima Dantas O túmulo contém os ossos e o nome mudo De Safo; suas palavras hábeis são imortais. — Pinito, trad. de Fernando Pessoa Nikolaos Gyzis. Safo tocando a lira (detalhe). §. Antes do mais, direi do meu primeiro contato com uma tradução de fragmentos de poemas de Sapho. Foi na bela e completa edição de Joaquim Brasil Fontes — Eros, tecelão de mitos: a poesia de Safo de Lesbos —, adquirida numa feira de variedades, em São Luís do Maranhão, situada numa ilha, obra com um inesquecível e amoroso prefácio de Benedito Nunes. Sempre presente tive na minha cabeça o espesso volume de capa dura com a reprodução de uma das mais bonitas telas do pintor italiano Giorgio De Chirico: As musas inquietantes . Quando viajei para muito longe, por quatro anos, não querendo me separar de alguns livros, foi um dos que seguiram comigo. §. Toda a biografia de Sapho é envolvida por uma aura de mitos, mistificações, caricaturas, preconceitos, elementos invariantes chantados naquelas férteis...

O subsolo no espírito natalino em Dostoiévski

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Por Juliano Pedro Siqueira Bartolomé Esteban Murillo. Jovem mendigo Dostoiévski não só se revelou ao mundo como um grande romancista, mas também um exímio contista. O autor de Crime e castigo desenvolveu contos memoráveis, entre eles — talvez o menos conhecido do público e o que tomo como ponto de reflexão neste texto —, “A árvore de Natal na casa de Cristo”. O leitor não se deixe enganar com o breve conto. A narrativa nos apresenta de maneira incisiva, de forma dramática e crítica, o cenário desolador que cinge o protagonista principal, um garoto, que mesmo padecendo de fome, contempla impotente a moribunda mãe que padece enferma num esfarrapado colchão.  É nesse contexto sombrio que Dostoiévski imprime no seu conto o conceito de subsolo , para revelar as contradições de uma religiosidade desprovida de compaixão. Não apenas: mesmo diante da gritante desigualdade social, a criança faminta, na iminência da orfandade, consegue captar o verdadeiro espírito natalino ao deslumbrar a be...

Boletim Letras 360º #668

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DO EDITOR Saibam que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você pode obter um bom desconto e ainda ajuda a manter o Letras. A sua ajuda é essencial para que este projeto permaneça online. Yuri Herrera. Foto: Tammie Quintana LANÇAMENTOS Três livros do premiado escritor mexicano Yuri Herrera marca a sua estreia no Brasil . Uma fronteira demarca muito mais que limites territoriais, mas também imaginários, destinos e formas de vida. Em sua Trilogia mexicana, o aclamado escritor Yuri Herrera retrata um país dominado pela violência e pelo tráfico de drogas, separado física e simbolicamente de um território onde a prosperidade é uma promessa constante. Com habilidade singular, Herrera articula visões desses dois mundos a partir de personagens únicos, que nos conduzem a três histórias: Trabalhos do reino ,  Sinais que precederão o fim do mundo  e A transmigração dos corpos . O primeiro livro, o seu principal romance, acompanha o jovem músico ...

“Realismo dos fantasmas da periferia: o pensamento do realismo mágico”: uma apresentação

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Por Anna More* Thiago Roney. Foto: Arquivo pessoal. O estudo de Thiago Roney sobre a nova narrativa hispano-americana tem sua origem em uma convicção: o argumento de que houve uma decadência da tradição literária, desde seu ponto ápice no chamado boom  da publicação dos anos 1960 e 1970 até sua versão massificada ou ironizada recente, é enganoso. Mesmo que essa trajetória literária da nova narrativa hispano-americana seja geralmente correta, é uma história limitada. De fato, até o momento atual, um dos estilos mais associados com a nova narrativa hispano-americana, o realismo mágico, continua a ser empregado por autores em outras regiões. Roney menciona vários — Salman Rushdie, Junot Díaz, Mia Couto — mas poderia ter incluído outros, como Yuri Herrera, Marlon James, Gayl Jones e Colson Whitehead.¹ A consequência dessa observação é dupla: o estilo mais identificado com a nova narrativa hispano-americana, consagrado pelo sucesso internacional de Cien años de soledad, de Gabriel Garc...

A invenção de Borges

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Por José Emilio Pacheco  Jorge Luis Borges. Foto: Ulf Andersen Darío, Schwob, Lugones e a literatura palimpséstica Nos últimos anos do século XIX, Buenos Aires era a capital do modernismo hispano-americano, o grande movimento de renovação que finalmente alcançou a independência literária almejada desde a época de Andrés Bello. La Nación , jornal de Bartolomé Mitre, publicava as admiráveis crônicas de José Martí. Quando Martí deixou o jornal para se dedicar à luta pela independência cubana, Rubén Darío assumiu seu lugar. Prosas profanas e Los raros são os dois livros fundamentais do período argentino de Darío. Alguns anos antes, em 1893, ele havia publicado uma série de contos em La Tribuna intitulada “Palimpsestos”, ou seja, textos escritos sobre outros textos. (O preço extremamente elevado das tabuletas e, posteriormente, do pergaminho, chegou a obrigar a reutilização da mesma página que era então apagada para permitir outros escritos. Daí a definição de palimpsesto: “Um manusc...