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Mostrando postagens de 2025

Sul, de Veronica Stigger

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Por Henrique Ruy S. Santos Quando se trata de sangue, silencia-se. — Mircea Cărtărescu, Nostalgia Veronica Stigger. Arquivo da escritora (Reprodução)   Em Sul , Veronica Stigger parte da hibridez de gêneros para criar um painel representativo de diferentes formas de violência e de incômodas instalações do absurdo. O livro, publicado pela primeira vez em 2013, na Argentina, e no Brasil em 2016 pela Editora 34, divide-se em três partes, cada uma explorando um gênero literário diferente. A primeira, intitulada “2035”, vale-se da prosa narrativa à maneira de um conto; a segunda, “Mancha”, é uma peça teatral com duas personagens em cena e mais uma que permanece fora do palco; a terceira parte, uma narrativa em versos que recupera episódios de infância e adolescência da narradora e que leva o título de “O coração dos homens”. A unir as três partes, um onipresente tom de estranhamento e/ ou afastamento do real, figurado, entre outras imagens, pela irrupção do sangue humano nos mais difere...

Decisão de partir: o cinema coreano volta a superar Hollywood

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Por Alonso Díaz de la Vega   Uma caixa de sushi é, para mim, a imagem mais memorável de Decisão de partir (2022). Soa estranho, considerando que o filme é uma espécie de noir romântico aplaudido mais pelos seus sentimentos do que pelas sensações que evoca, mas o diretor coreano Park Chan-wook claramente pretende fazer dessa trivialidade um signo.   O protagonista, um detetive insone, casado e metódico chamado Jang Hae-jun (Park Hae-il), decide jantar com uma suspeita de homicídio chinesa, Song Seo-rae (Tang Wei), no meio de uma sala de interrogatório. Seu marido, um burocrata da imigração, foi encontrado morto alguns dias antes ao pé de uma montanha de onde pode ou não ter escorregado, e Seo-rae — atraente, jovem, suspeita — é seguida por Hae-jun até que ele decida chamá-la à delegacia. Lá, Seo-rae lhe mostra alguns ferimentos na perna, e ele pede a um colega para tirar fotos para respeitar o protocolo de gênero, mas demora para chegar; desesperado, ele se encarrega de capt...

Tonio Kröger de Thomas Mann: a educação sentimental

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Por Pablo Sol Mora Heinrich Campendonk, Mann und Maske, 1922. Kunstmuseum Bonn. Ah, Tonio Kröger ! Se eu tivesse que escolher uma única obra que definisse minha formação sentimental e artística, certamente seria esta. Acho que a primeira obra que li de Thomas Mann (e a que mais reli) foi A morte em Veneza , que eu poderia facilmente incluir aqui, mas a obra que marcou minha adolescência foi mesmo Tonio Kröger , que o crítico alemão Marcel Reich-Ranicki considerou “o conto do século XX”.   A edição em que li intitula-se, a rigor, Mario y el mago y otros relatos (Origen/OMGSA, México, 1983). 1 Pertence a uma coleção de livros de bolso, História Universal da Literatura, que não tem uma apresentação muito boa (capa dura cor de vinho com letras douradas na lombada e na capa), grandes tiragens (17.000 exemplares) e, até pouco tempo atrás, ainda lotava liquidações e sebos. Mas foi nesta coleção que li pela primeira vez, além de Thomas Mann, James Joyce ( Retrato do artista quando jovem...

Dylan Thomas, retrato do contista entre lendas

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Por Juan Pablo Bertazza Dylan Thomas. Foto: Rollie McKenna O extraordinário Dylan Thomas morreu no dia 9 de novembro de 1953. Sua figura parece completamente descolada do bronze, algo como Bukowski, mas, em alguns aspectos, muito mais sofisticada. O escritor galês tem a particularidade de ter transcendido como poeta com nuances românticas ligadas ao poder da natureza e a uma infância idílica, embora, ao mesmo tempo, não pareça ter ficado de fora da vertigem de nossa contemporaneidade, talvez por sua participação ativa na mídia, lendo poemas no rádio e escrevendo roteiros; talvez porque não hesitou em embarcar e assumir todos os riscos daquela montanha-russa que, em muitos aspectos, foi o século XX. Não apenas pelo impacto que a guerra teve sobre ele (muitos afirmam que ele deixou o romance Aventuras no comércio de peles inacabado por parecer banal em comparação com o conflito), mas também porque conheceu Chaplin, Marilyn Monroe e até mesmo Stravinsky, com quem esteve prestes a criar ...

Boletim Letras 360º #651

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DO EDITOR   Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras . Zadie Smith. Foto: Fabian Sommer   LANÇAMENTOS   Em seu primeiro romance histórico, Zadie Smith nos leva à Londres vitoriana e às plantações jamaicanas de cana-de-açúcar para nos envolver em uma trama que inclui escritores vaidosos, paixões proibidas, as cicatrizes do imperialismo e um alucinante caso de tribunal .   Durante as décadas de 1860 e 1870, o Caso Tichborne gerou comoção no Reino Unido com uma trama de identidades falsas, disputa de riquezas e tensões colonialistas. O Requerente alegava ser Sir Roger Tichborne, herdeiro de uma grande fortuna. A defesa, porém, tentava provar que o homem não passava de um golpista. O julgamento se torna uma obsessão na casa do romancista William Harrison Ainsworth. Especialmente para Sarah, sua ex-criada e agora segunda esposa, que crê sem ressalvas na versão dos fatos oferecida pelo Req...

Mundo porco

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Por David Toscana O Milagre dos Porcos Gadarenos. (Canterbury?, ca. 1000). Getty Museum (detalhe/ reprodução)   Em sua História Natural, Plínio, o Velho, escreve: “Está provado que alguns porcos, que haviam sido roubados, reconheceram a voz de seu dono e retornaram quando a embarcação afundou depois de tombar porque estavam todos no mesmo lado.”   Quando Plínio diz “está provado”, ele certamente quer dizer que essa história era considerada verdadeira, tanto que, mais de um século depois, Claudio Eliano a relatou com mais detalhes. “Alguns malfeitores atracaram sua embarcação pirata na costa da Etrúria e, ao embarcarem, encontraram um estábulo que abrigava muitos porcos e pertencia a alguns porcariços. Os piratas os capturaram, os colocaram a bordo e, partindo, continuaram sua viagem. Os criadores, enquanto os piratas estavam presentes, permaneceram quietos, mas assim que saíram do mar, ‘até onde o grito de um homem pode alcançar’, chamaram os porcos com sua voz habitual para ...

As benevolentes e o monólogo de um carrasco

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Por Juliano Pedro Siqueira Jonathan Littell. Foto: Evgen Kotenko   O mundo comemora de forma bastante tímida os oitenta anos da vitória dos Aliados sobre a Alemanha nazista. Um passado não tão longínquo que deixou sobre a terra — além dos resquícios de uma maldade latente — um pressentimento de que tais atrocidades podem nos sobrevir numa escalada ainda mais sangrenta. E a literatura foi um instrumento visceral e imprescindível ao retratar o período da Segunda Grande Guerra, arrecadando vasto material manuscrito, inclusive, de autores que registraram, astutamente, em diários e ofícios clandestinos, os horrores do front e os bastidores infernais, tornando-os testemunhas fidedignas.   Depois das experiências espinhosas com Arquipélago gulag , de Alexander Soljenítsin, Vida e destino , de Vassili Grossman e alguns volumes de Os contos de Kolimá , de Varlam Chalámov, pensei que tivesse consumido o que tinha de mais visceral e arrebatador sobre literatura de guerra. Enganei-me! Re...