A poética de Jorge Fernandes

Por Pedro Fernandes


Uma das várias edições do Livro de poemas, de Jorge Fernandes


Ainda estamos nos anos de 1920. Adicionemos apenas mais uma década a este tempo. O provincianismo da capital do Estado não passara com a simples presença de autores “modernos”, como Jorge Fernandes. No cenário literário apenas os cafés que eram os centros da boemia, das atividades culturais e dos saraus recheados de sonetos ouve-se certo burburinho. Principalmente de um tal Majestic, antigo elegante café e salão de jogos Potiguarânia, pertencente ao poeta Ezequiel Wanderley, vendido a um grupo, do qual fazia parte Jorge Fernandes. No Magestic funciona por essa época a “academia” Diocésia, composta duma bem humorada e eufórica platéia. Bem, esse espaço se tornaria tão famoso que receberia muitas das visitas ilustres que passavam por Natal; cite-se Manuel Bandeira, Mário de Andrade, os aviadores Sarmento de Beires (português), Ribeiro de Barros (paulista), e seus hidroaviões Argos, e Jahú, respectivamente. E como passavam aviões e voadores por essa época. Basta lembrar que o Zeppelin, maior dirigível, passava em Natal em 1927; que o Brazilian Clipper, maior avião do mundo, passava em Natal em 1934.

Também passavam aviões na poesia de Jorge. Por cima, aviões seria o título adotado por ele em três poemas enumerados de 1, 2 e 3. A leitura da poesia de Jorge dá a conhecer as imagens de um tempo passado. Com caráter de futurista, a poesia de Jorge aborda principalmente o cotidiano, cantando este nas suas mais diversas formas, exalando seu poema uma “catinga nova”, exibindo-se “num barulho novo”, “todo misturado de nuvens, óleo, gasolina”.

A leitura da poesia de Jorge dá a conhecer – e aqui, parafraseio Maria Lúcia de Amorim Garcia, quem organizou a quinta edição do Livro de Poemas – um tempo passado, expresso nas brincadeiras infantis – “varre-varre vassourinhas”, “cadê o anel”; ou a expressa a ironia, recurso tão comumente encontrado nos versos dum Oswald, por exemplo, quando intercala seu poema com versos de Casimiro de Abreu – “Ah! Que saudades eu tenho/Da Aurora de minha vida/Da minha infância querida...” –, ou com versos de Gonçalves Dias – “Mas a grande vida brasileira esbarra a inspiração/Do pobre poeta que na sua terra tem palmeira/Onde nunca cantou o sabiá... (Ele só canta no mufumbo e nas caatingas...)”.

Estes versos acima citados deixam-nos entrever outras considerações a poética de Jorge Fernandes: o desprezo à rima e à métrica ainda muito cultuados na época e que ainda se resumiam ao estilo dum Olavo Bilac, por exemplo; o uso repetido e valorização das coisas corriqueiras e do o espaço de onde esse eu-poético emerge – do cotidiano da provinciana capital e do sertão nordestino, que Jorge muito freqüentou ao lombo do Ford, quando era caixeiro viajante, isso bem antes de associar-se na aquisição do Majestic.

A linguagem poética de Jorge deixa ainda viver a sonoridade com a inserção de recursos onomatopaicos – seja o “zinco traco! traco! traco!” dos teares, seja o “fuco! fuco! dos foles”, ou o “dem! dem! dem!” das ambulâncias, os seus versos conversam sob forma de sons. Volto novamente a Maria Lúcia de Amorim Garcia para dizer que, a linguagem do “Livro de Poemas” representa a consciência da inovação dos procedimentos poéticos modernos, e, conseqüentemente, o rompimento com a estética parnasiana, aliás, esta muito criticada nos poemas intitulados “Meu poema parnasiano”, 1, 2, 3, 4,5, até perder as contas com “Meu poema parnasiano sem número” – “Que linda manhã parnasiana.../Que vontade de escrever versos metrificados/Contadinho nos dedos.../Chamar da reserva todas as rimas/Em – or – para rimar com amor.../Todas as rimas em – ade – pra rimar com saudade.../Todas as rimas em – uz – pra rimar com Jesus, cruz, luz...” (...) Que linda manhã parnasiana!/Vou recitar “A vingança da porta”; “Se eu fosse um bom poeta passadista/Cantaria num lindo poema essa Tarde-Brasil/Tarde-Natal – Rio Grande do Norte... Tarde cheia de fogo. Tarde cheia de nuvens vermelhas no poente.../Cheia de Ave-Maria escorrendo dos sinos.../Tarde-calor...”.

A poética jorgeana é aquela que atende aos anseios do mais nobre espírito modernista. Não é à toa que a descoberta do poema “Remanescente” e doutros poemas impressiona o poeta paulista Mário de Andrade, recebendo aplausos rasgados do tipo “venho lhe dizer muito obrigado efusivo e a sinceridade enorme com que me agradam os seus versos”, ou, “você é original, é incontestável e é duma originalidade natural nada procurada”. Rasgados elogios estes que só foram possíveis graças a profícua relação que Câmara Cascudo mantinha com os do sul, recebendo não apenas elogios do Mário de Andrade, como também sugestões a títulos de poemas do poeta, como os já citados “Meu poema parnasiano” e Aviões”. Isso é bem verdade que, em nada desmerece o trabalho do poeta. Do contrário, se ele veio ou não acatar a idéia do poeta paulista, certamente, é porque ela deve ter soado bem aos seus ouvidos. No mais, nos dizeres do professor Humberto Hermenegildo, Jorge realizou uma obra poética que, dava conta duma realidade universal, quando o que conhecia era apenas a realidade local, além de não manter uma relação direta com o grupo que estava na vanguarda de transformação literária.

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>>> A poética de Jorge Fernandes


* Este texto foi publicado no Caderno Domingo do Jornal De Fato, edição 322. 

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