Seis poemas-canções de Paul Simon

Por Pedro Belo Clara
(Selecção e versões)¹
 
Paul Simon. Foto: Peter Simon.

 
 
O SOM DO SILÊNCIO
(Wednesday Morning, 3 A.M. — 1964)
 
Saudações, trevas, velhas amigas
Venho de novo falar convosco
Pois uma visão, insinuando-se docemente
Deixou em mim, enquanto dormia, as suas sementes
E a imagem que na minha mente foi plantada
Ainda permanece
No seio do som do silêncio
 
Em sonhos inquietos caminhava sozinho
Por estreitas ruas calcetadas
Debaixo do halo dum candeeiro
Levantava a gola do casaco contra o frio e a humidade
Quando os meus olhos foram apunhalados pelo clarão dum néon
Que dividiu a noite
E tocou o som do silêncio
 
E na luz nua vi
Dez mil pessoas, talvez mais
Pessoas conversando sem falar
Pessoas ouvindo sem escutar
Pessoas compondo canções que voz alguma cantará
E ninguém se atrevia
A perturbar o som do silêncio
 
Tolos, disse, Não sabem
Que o silêncio prolifera como um cancro
Escutem as minhas palavras para que vos possa ensinar
Recebam os meus braços para que vos possa alcançar
Mas as minhas palavras como mudas gotas de chuva tombaram
Ecoando nos poços do silêncio
 
E as pessoas curvavam-se, orando
Ao Deus de néon que criaram
E uma tabuleta iluminava um aviso
Nas letras que continha
Dizendo que as palavras dos profetas
Estão escritas nas paredes do metropolitano
E nos corredores das habitações sociais
E são sussurradas nos sons do silêncio
 
 
CANÇÃO DE KATHY
(The Paul Simon Songbook — 1965)
 
Escuto o tamborilar da chuva
Que como uma memória cai
Sem parar, suave e quente
Batendo no telhado e nas paredes
 
Desde o refúgio da minha mente
Através das janelas dos meus olhos
Lanço o olhar além das ruas molhadas
Até Inglaterra, onde o coração repousa
 
Tenho a mente distraída e difusa
Os pensamentos estão a milhas deste lugar
Eles deitam-se contigo quando adormeces
Beijam-te quando começas o teu dia
 
E a canção que compunha ficou por acabar
Nem sei porque gasto o meu tempo
A escrever canções em que não creio
Com palavras que se rasgam, esforçando-se por rimar
 
Como vês, comecei por duvidar
De tudo o que outrora considerei verdadeiro
Permaneço sozinho e sem crenças
A única verdade que sei és tu
 
E à medida que observo as gotas da chuva
Tecendo os seus trilhos cansados e morrerem
Sei que seria como elas
Se não fosse por graça de ti
 
 
AS FLORES NUNCA SE DOBRAM COM A CHUVA
(Parsley, Sage, Rosemary and Thyme — 1966)
 
Pelos corredores do sono
Negras, profundas sombras do passado
A minha mente dança e pula em confusão
Não sei o que é real
Não consigo tocar o que sinto
E escondo-me por detrás do escudo da minha ilusão
 
Então, continuo a fingir
Que a minha vida nunca terminará
Nem as flores se dobram
Com a chuva que cai
 
O espelho na parede
Projeta uma imagem negra e pequena
Não estou certo que seja o meu reflexo
Estou cego pela luz
De Deus, da verdade, da rectidão
E vagueio de noite sem qualquer rumo
 
Então, continuo a fingir
Que a minha vida nunca terminará
Nem as flores se dobram
Com a chuva que cai
 
Não importa se nasceste
Para ser rei ou peão
É muito ténue a linha entre a alegria e a tristeza
Assim, a minha fantasia
Torna-se realidade
Tenho de ser o que devo ser e enfrentar o amanhã
 
Então, continuo a fingir
Que a minha vida nunca terminará
Nem as flores se dobram
Com a chuva que cai
 
 
AMERICA
(Bookends — 1968)
 
Sejamos amantes, casaremos as nossas fortunas
Trago alguns bens aqui na minha mala
Então, comprámos um maço de cigarros e tartes da Sra. Wagner
E partimos em busca da América
 
Kathy, disse, enquanto apanhávamos um autocarro em Pittsburgh
O Michigan parece-me agora um sonho
Levei quatro dias à boleia desde Saginaw
Vim em busca da América
 
Rindo no autocarro
Inventando jogos com os rostos à nossa volta
Ela disse que o homem da gabardine era um espião
Eu respondi Tem cuidado, o seu laço é na verdade uma câmara
 
Passa-me um cigarro, acho que há um na minha gabardine
Fumámos o último há uma hora atrás
Então olhei para a paisagem, ela lia uma revista
E a lua erguia-se sobre um campo aberto
 
Kathy, estou perdido, disse, embora soubesse que dormia
Sinto-me vazio, algo dói, e não sei o porquê
Contando os carros na portagem de Nova Jérsia
Todos eles vieram em busca da América
Todos vieram em busca da América
 
 
O PUGILISTA²
(Bridge Over Troubled Water — 1970)
 
Somente sou um pobre rapaz
Embora a minha história raramente seja contada
Gastei todas as minhas forças
Por um punhado de resmungos
Assim são as promessas
Tudo mentiras e graçolas
Mas só escutamos o que desejamos escutar
E ignoramos o resto
 
Quando deixei a minha casa
E a minha família
Mais não era que um garoto
Na companhia de estranhos
Na quietude duma estação de comboios                      
Correndo assustado
Sem dar nas vistas
Procurava os bairros mais pobres
Onde vão as pessoas esfarrapadas
Procurava os lugares
Que só essa gente poderia conhecer
 
Pedido um ordenado de operário
Fui em busca de emprego
Mas não obtive qualquer proposta
Apenas um ‘Bora lá das prostitutas da Sétima Avenida
E confesso que houve momentos em que me senti tão só
Que em seus braços procurei algum conforto
 
Agora os anos passam por mim
E como passam sem entrave
Sou mais velho que outrora fui
E mais novo que um dia serei
Mas não é invulgar
Não, não é de estranhar
Que mudança após mudança
Sejamos mais ou menos os mesmos
Que depois das mudanças
Sejamos praticamente os mesmos
 
Então, começo a preparar as minhas roupas de inverno
Desejando que estivesse de partida
Que estivesse a caminho de casa
Seguindo o rumo
De minha casa
Onde os invernos de Nova Iorque
Não me podem ferir
 
Na clareira, um pugilista
Um lutador por seu ofício
Carregando as lembranças
De todas as luvas que o derrubaram
Que o feriram até que gritasse
Na sua raiva, na sua vergonha
Vou-me embora, vou-me embora
Mas o lutador permanece
O lutador permanece
 
 
CANÇÃO AMERICANA³
(There Goes Rhymin’ Simon — 1973)
 
Em muitas ocasiões me equivoquei
E em tantas outras me confundi
Quantas vezes me senti abandonado
Sem que tirassem o melhor de mim?
Mas está tudo bem, eu estou bem
Apenas cansado até aos ossos
Ainda assim, não podes esperar
Estar radiante, ser um bom vivant
Tão longe de casa, tão longe de casa
 
Não conheço uma alma que não tenha sido violentada
Não tenho um amigo que se sinta confortável
Não conheço um sonho que não se tenha desfeito
Ou salvado da humilhação
Mas está tudo bem, está tudo bem
Vivemos sem agruras por tanto tempo
Ainda assim, quando penso na estrada
Que temos vindo a percorrer
Pergunto-me: o que terá corrido mal?
O que terá corrido mal?
 
E sonhei que morria
Sonhei que a minha alma inesperadamente subia
E nas alturas virava-se para mim
Sorrindo dum modo reconfortante
E sonhei que voava
E lá bem no alto os meus olhos podiam sem engano ver
A Estátua da Liberdade
Navegando em direcção do mar
E sonhei que voava
 
Viemos num navio a que chamaram Mayflower
Viemos num navio que navegou a lua
Viemos na mais incerta hora duma era
Cantando uma canção americana
Oh, mas está tudo bem, tudo está bem
Não podes ser eternamente abençoado
Amanhã ainda será um novo dia de trabalho
E apenas quero descansar um pouco
Apenas quero descansar um pouco
 
 
_______
 
Paul Frederic Simon, universalmente reconhecido como um dos maiores compositores da história da música popular, nasceu a 13 de outubro de 1941, em Newark, no estado de Nova Jérsia, no seio duma família judia de origens húngaras.
 
Com apenas onze anos, e nem sequer um mês completo de diferença de idade entre ambos, conhece aquele que seria o seu companheiro de inúmeras aventuras musicais, o complemento à formação dum duo que ganhou um lugar de destaque no panorama musical norte-americano (e não só): Art Garfunkel. E seria em tão tenra idade que os dois rapazes, ainda sem o saber, começariam a fazer história.
 
Tendo gostos musicais idênticos, a amizade logo cresceu e fortificou-se. Por volta dos treze anos começam a cantar juntos, e é nessa altura que interpretam o seu primeiro original, “The Girl For Me”. Escrito e composto pelo pai de Simon, que apesar de ser professor fazia algumas incursões pela área da música, a canção rapidamente se tornou um sucesso — no bairro onde viviam, naturalmente.
 
Parecia ser o prenúncio de que algo de grandioso estaria, um dia, para acontecer. Contudo, os jovens continuaram o seu percurso académico: Garfunkel estudou matemática, com indisfarçável interesse pela arquitectura (foi por seu incentivo, anos depois, que Paul escreveria o tema “So Long, Frank Lloyd Wright”, que tanto corroeu e minou a dupla), e Simon frequentou um curso de Literatura Inglesa, provavelmente decisivo para a qualidade das suas futuras composições, ainda com uma experiência muito breve em Direito, depois.

A dupla, porém, não abandonou completamente a música. Aliás, entre 1957 e 1964 Paul Simon terá composto cerca de trinta canções, algumas interpretadas com o seu amigo de infância, numa altura em que respondiam pelo nome de Tom & Jerry, outras em colaboração com diversos músicos. Inspirado pelo jazz, blues e principalmente pelo género folk que tomava a América pelos braços, lançou alguns singles, mas o sucesso foi muito modesto.
 
É no início de 1964, apostados em vingar no panorama musical norte-americano, que conseguem, após audição, um contrato com a ilustre Columbia Records. Oficialmente falando, seria o nascimento de Simon & Garfunkel — assim designado por imposição da editora, diga-se. Surgiria então o primeiro álbum, Wednesday Morning 3 A.M., e o primeiro grande fracasso. As enormes restrições que a editora gizou sem admitir negociação acabaram por abafar a criatividade de Simon, que apenas pôde lançar cinco músicas originais num total de doze. O resultado foi um álbum monótono, muito certinho e bem-educado, totalmente subordinado a uma qualquer ideia de ordem e segurança, com várias reinterpretações de temas folk conhecidos sem lhes acrescentar nada de novo. Estranhamente, o álbum já apresentava aquele que seria o primeiro grande sucesso do duo, um tema ainda hoje indispensável no seu reportório: “The Sound of Silence”, cujo poema abriu esta nossa publicação.
 
Após o insucesso, Simon parte para Inglaterra. Continua a compor canções, muitas em co-autoria e destinadas a outros grupos musicais. Eventualmente, Garfunkel juntar-se-á ao amigo e ambos percorrerão o país tocando em clubes folk e até na própria rua. É então que Paul Simon conhece uma das primeiras figuras incontornáveis das suas canções: Kathy, que deu nome a um dos mais belos temas de amor que Simon escreveu, merecendo também referências noutros trabalhos (como em “America”, aqui partilhado com o nosso estimado leitor). Tinha apenas dezoito anos e Paul vinte e dois. Conheceram-se num desses clubes onde Kathy trabalhava e calcorrearam, os três, o país de lés a lés. Enquanto tocavam, a sua musa recebia o dinheiro que os transeuntes davam à jovem dupla com um icónico chapéu de marinheiro. Paul Simon lançou um álbum a solo nesse tempo, com uma fotografia sua e de Kathy na capa, mas o projecto acabou apenas por conseguir uma visibilidade moderada — mesmo já apresentando vários dos temas que celebrizariam a duo nos seus primeiros tempos.
 
Contudo, um golpe do destino acabou por dar a Simon & Garfunkel a atenção que, pela qualidade das músicas, das letras e das vozes harmoniosamente conjugadas merecia — principalmente nos Estados Unidos, já que em terras de Sua Majestade Paul Simon ia conseguindo fazer-se notar com maior ou menor dificuldade.
 
Assim, em 1965, o produtor da dupla é desafiado a realizar uma nova versão de “The Sounds of Silence” (sim, leu bem, o título sofrera agora uma ligeira adaptação). O estilo folk-rock surgia em força e o tema foi adaptado a esses preceitos, mantendo quase tudo o que então já apresentava ao público. O sucesso foi imediato. Paul Simon é, assim, forçado a regressar aos Estados Unidos e a unir-se de novo a Garfunkel para a criação dum novo álbum. Saindo do anonimato, a simpática e bonita Kathy, que era bastante tímida, não conseguiu levar avante o seu relacionamento com Paul — mas imortalizou-se com grande brilho na música deste talentoso autor.
 
O sucesso da dupla vai-se solidificando e conhece, enfim, uma rota ascendente. As primeiras letras de Paul Simon, neste período, são um tanto ao quanto negras, com ecos do legado do movimento beat, versando muito sobre a solidão, os problemas de comunicação entre indivíduos e o suicídio, atravessadas por uma linha filosófica muito pessoal. Embora pontualmente deixe transparecer nalguns trabalhos um certo teor político e de crítica social, nunca se estabelece verdadeiramente como um cantor de intervenção, ao contrário doutros que marcariam aqueles anos: Joan Baez, Phil Ochs, o próprio Bob Dylan ou Pete Seeger, se bem que mais antigo. Não retratando propriamente os problemas duma geração, acaba por dar voz às dificuldades que ele sentia ser as da geração presente, os seus desafios mais prementes e a constante mentira que era a aparentemente sadia convivência social. Não obstante, os temas amorosos também tiveram o seu lugar, assim como os de teor religioso e a sua amada Nova Iorque, em diversas ocasiões referenciada e celebrada.
 
Seguem-se mais três álbuns de valor assinalável, a banda-sonora dum filme que marcaria toda uma geração (The Graduate), com o célebre “Mrs. Robinson” à cabeça, culminando, em 1970, no último disco de originais da dupla e, sem dúvida, o mais premiado: melhor álbum do ano, melhor canção do ano, melhor arranjo, instrumental e voz. Falamos de “Bridge Over Troubled Water”, o mesmo nome duma das mais célebres baladas de Simon & Garfunkel. Neste momento, as letras de Simon já tinham atingido outra maturidade, explorando temas como a efemeridade da vida, a inevitabilidade da morte, os desafios das gerações mais envelhecidas, como os sonhos parecem fadados a terminar em desilusão na vida do homem mais comum e a sua infrutífera luta contra um destino incapaz de aceitar sugestões quanto ao rumo a seguir.
 
No entanto, a dupla estava ferida quase de morte. As diferenças entre ambos cresciam, não só na composição e arranjo de novas canções como também nas suas perspectivas de futuro. Paul Simon havia casado e Garfunkel mostrava um interesse cada vez mais vincado no cinema (chegaria mesmo a realizar filmes e a participar noutros como actor). Mas uma só década seria suficiente para marcar o duo como um dos melhores de sempre, não só do folk-rock como da pop em geral; um nome incontornável na história da música moderna, celebrando o talento de Simon enquanto compositor e guitarrista (a revista Rolling Stone considerou-o um dos melhores cem guitarristas de sempre e o oitavo melhor compositor de sempre) e de Garfunkel como um vocalista de excelência, capaz de criar harmonias belíssimas com o menor dos esforços — mas igualmente premiando a enorme exigência e respeito que ambos demonstravam pelo trabalho que produziam.
 
Se a carreira de Garfunkel tendeu a diminuir de impacto público após a separação, já Paul Simon, quase sempre rotulado de “intelectual” no meio, prosseguiu o seu rumo com originalidade extrema, explorando novos ritmos e sonoridades, amadurecendo os seus versos de poeta com guitarra na mão. Ofereceu-nos ainda temas emblemáticos como “American Tune” (aqui traduzido como “Canção Americana”), “Graceland”, “Kodachrome” ou “Still Crazy After All These Years”.
 
A amizade entre ambos perdurou, e pontualmente iam colaborando juntos em novos projectos, culminado num mais que esperado concerto de reencontro perante milhares de pessoas, no Central Park, em Nova Iorque, no ano de 1981. Um novo álbum esteve então prestes a ser lançado, onze anos depois da separação, mas divergências de última hora goraram o projecto. Do que sobrou, nasceria mais um álbum a solo de Paul Simon.
  
Em 1990 entram para o prestigiado Rock and Roll Hall of Fame, e em 2001 é a vez de Paul Simon aí figurar como artista a solo. Após os atentados de 11 de setembro, Simon é convidado a interpretar Bridge Over Troubled Water num evento de caridade em benefício das vítimas do golpe terrorista e de suas famílias. Dois anos depois, após receberem o Grammy de Lifetime Achievement, voltam a reunir-se na tournée “Old Friends”, donde nasceria um novo álbum com os clássicos de sempre. Entram numa série de novos concertos, domésticos e internacionais, terminando num mítico espectáculo de entrada livre no Coliseu de Roma, perante seiscentas mil (!) pessoas. Em 2007, Paul Simon recebe o primeiro prémio Gershwin, instituído pela Biblioteca do Congresso americano.
 
Em setembro de 2018, Simon realiza o seu último concerto, embora à partida não excluísse futuras aparições públicas, se esporádicas — como aconteceu em agosto de 2019, em São Francisco, na Califórnia. É igualmente desse ano de despedida o último álbum editado: In The Blue Light.
 
No passado dia 13 completou oitenta anos de idade, mas decerto que os seus admiradores mais fiéis acalentarão a secreta esperança (muitos diriam ilusão, mas não tombemos no território das más-línguas) de que o melhor estará ainda por vir.
 
Ligações a esta post:
>>> Em nossa conta no YouTube preparamos uma playlist com os poemas-canções aqui traduzidas e outros citados no texto.

 
Notas
 
1 De acordo com o acervo disponibilizado no site oficial do autor.
 
2 The Boxer, no original, é um dos maiores êxitos do duo Simon & Garfunkel. Lançado primeiramente em single em 1969, é incluído no ano seguinte no último álbum da dupla. O tema foi recebido como sendo uma obra dedicada a Bob Dylan, já que parece conter algumas referências ao seu percurso de vida (Dylan chegou a ser, imagine-se, pugilista amador). Além disso, o tema tem a particularidade de possuir um refrão sem letra, isto é, apenas cantado no estilo dum banal “lá-lá-lá”. Porém, em inglês esse “lá” pronuncia-se “lie”, precisamente a palavra inglesa para “mentira”. E muitos tomaram à letra esse, no fundo, erro de interpretação, considerando-o uma crítica a Dylan. O próprio Simon desmentiria essa ideia, afirmando que a razão era, de facto, mais embaraçosa do que pensavam: como não conseguiu encontrar as palavras certas para o refrão do tema, ficou simplesmente assim: lá-lá-lá (ou melhor: lie-la-lie).
 
No entanto, Bob Dylan não era nem tido nem achado no caso. Simon esclareceria todas as dúvidas ao afirmar, posteriormente, que o tema, inspirado em algumas referências bíblicas e na pobreza e solidão que preenchiam os dias das classes mais desfavorecidas de Nova Iorque, era de facto um desabafo seu num momento em que se sentia alvo de fortes críticas. Apesar de revelar o outro lado, o tenebroso, do mítico sonho americano, Simon utilizou a figura dum pugilista pobre e derrotado, cansado do peso das suas feridas físicas e emocionais, para se retratar a si mesmo, conforme naquele período se sentia.
 
Resta acrescentar que Paul Simon sempre demonstrou um enorme respeito por Bob Dylan, e ambos sempre mantiveram uma relação cordial. Dylan, inclusive, gravaria este tema com relativo sucesso.
 
Em relação à versão apresentada, esclarece-se que no original editado em 1970 a estrofe “Agora os anos passam por mim” foi omitida, sendo apenas pontualmente cantada por Simon em concertos a solo. Contudo, o registo oficial do tema apresenta essa parte do poema-canção, pelo que aqui a incluímos.
 
3 Já editada enquanto artista a solo.
 

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