Diário de Bordo

Por Pedro Fernandes



Tenho pensado neste quadro de René Magritte para o início do primeiro capítulo da dissertação. Gosto de dialogar com algum ponto para se construir uma determinada reflexão, mesmo que seja um ponto teórico. Mas, entre este e uma tela, darei preferência à segunda. Porque só assim fica permitido que a existência do que eu poderia chamar de reflexão autêntica, sem está aleijado pela repetição da voz alheia, é possível. Claro que no curso da construção desse diálogo o espírito teórico irá aparecer como malha de reforço, ou questionamento, ou ainda ampliação das reflexões. Sei que piso nesse território movediço do pensamento acadêmico e não posso ignorar as vozes que vieram antes de mim sob o risco de depois ser acusado de dizer o óbvio ou o senso comum.

Mas essa constatação da relação escrita outro suporte que não o da teoria, é tão fundamental para o que irei escrever que deverei adotar como elemento norteador na construção integral do texto: cada capítulo vou querer partir de uma tela, como se perscrutasse uma extensa galeria. Sim, poderão acusar-me de tergiversar sobre o tema central, ou que isto requer um tratado de semiótica para sustentar minhas compreensões. Prefiro dispensar o roteiro predeterminado por uma leitura dessa natureza, afinal, estou lendo um texto literário; a tela apresenta-se como gatilho para que a discussão seja colocada em pauta. Também, óbvio, não será qualquer tela; ela será escolhida de um grupo que provoque no espectador (eu) meu repertório teórico e minhas convicções sobre o assunto a ser abordado no texto. No caso dessa tela do pintor belga, por exemplo, trata-se de uma imagem que joga com o real e estabelece outras fronteiras com o que ficou dito está além dele. A partir da imagem penso na relação representativa que a materialidade verbal do romance desempenha para com a realidade que ele ocupa ou constrói.

Nota: Magritte nasceu em Lessines em 1898 na Bélgica e morreu em 1967. Foi lido por teóricos como Michel Focault e ficou reconhecido como um dos mais importantes nomes do Surrealismo tendo sido amigo dos poetas André Breton e Paul Éluard, precursores dessa vanguarda na literatura.

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