Meia-noite em Paris, de Woody Allen

Por Pedro Fernandes



É a produção mais recente do cineasta e escritor Woody Allen. E no mesmo nível que outras crônicas produzidas por ele. Se Nova York lhe rendeu por muito tempo matéria para a composição de suas películas, Allen agora toma da cidade de Paris como espaço-flâneur para ambientar esse misto de comédia e romance. Incrível é notar o quanto de autobiográfico salta aos olhos de quem assiste este Meia-noite em Paris. A birra americana dos psedeuintelectuais fabricados e criados à rescaldo de ovação barata para com o escritor-diretor que sempre se encantou com Nova York fez Allen usar a cidade luz como tapa com luva de pelica. Se antes o próprio Allen zombou do ostracismo parisiense, agora parece querer revê-lo com outros olhos.

Gil, personagem central desse filme é um escritor iniciante - antes escrevia roteiros bem bolados para Hollywood - e está prestes a se casar com Inez. É quando os pais de sua noiva vão à negócios a Paris que eles, Gil e Inez, aproveitam para tirar férias e acertar os preparativos para o casório. Difícil não ler Gil como o próprio Allen à cata de um lar - já que a sua personagem, encantada com Paris, deseja se mudar de vez para lá e enfim, como fizeram muitos escritores americanos certa vez, poder, encantado com a atmosfera parisiense, escrever seu romance. 

O fato é que Gil é um nostálgico. A Paris contemporânea parece não lhe preencher o status de sonho que ele nutre pela cidade. Talvez porque Gil esteja até o pescoço com a produção de enlatados americana... E daí é que nasce seu sonho de poder voltar aos gloriosos anos da década de 1920, quando um morador de Paris podia dá de caras com um Hemingway ou uma Gertrude Stein, ou ainda um F. Scott Fiztgerald.

Fato é que, foi por essa época, por não menos nostalgia que a vivida por Gil, que muitos escritores americanos e de outros países se refugiaram na cidade luz como se somente lá fosse possível ser tomado por uma atmosfera de inspiração... Foi assim com a própria Getrude Stein, Fiztgerald ou Pablo Picasso, ou Dalí... todos personagens que Allen convoca para esse Meia-noite em Paris compondo assim um filme em diálogo constante com a grande literatura. E aí está a grande beleza de conteúdo desse filme. Como isso dá? Bem, Allen adere ao realismo fantástico e coloca a personagem de Gil como uma espécie de passageiro do tempo, capaz de, sempre que der meia-noite, ser levado para o ambiente de 1920.  

E onde fica a crítica aos pseudointelectuais estadunidenses. Bem, além de recuperar esse museu ao ar livre que muito contribuiu para que muitos artistas sem crédito pudesse dar um rumo novo à literatura americana, por exemplo, e reforçar que esse ar parisiense também tonificou a sua própria imagem como autor-diretor, Allen introduz um amigo de Inez, que está para uma conferência na Sorbonne e preenche bem o status de pseudointelectual. Aliás, é Gil quem admite assim chamá-lo: é aquele metido a entendedor de tudo - de Rodin a Versailles, de vinho a pintura, de literatura a política e centro, portanto das atenções de todos. Centro principalmente de Inez. E Gil percebe que todo pavoneamento desse amigo não dará noutra senão numa traição da própria o no desfazer do casamento.

Fato é que Meia-noite em Paris rende um lugar na lista das grandes surpresas cinematográficas desse ano. E antes de querer ser um filme para pseudointelectuais, consegue reinventar o intelectualismo e o tom sutil e ao mesmo mordaz da ironia de Allen. 

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A vegetariana, de Han Kang

Boletim Letras 360º #604

Cinco coisas que você precisa saber sobre Cem anos de solidão

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

Boletim Letras 360º #597

Boletim Letras 360º #596