Boletim Letras 360º #567

DO EDITOR
 
Olá, leitores! Antes de chegar às notícias recolhidas nesta edição do Boletim Letras 360.º, preciso registrar duas outras novidades:
 
- o blog regressa com sua programação normal na segunda-feira, 22 de janeiro de 2024, abrindo oficialmente nosso 17.º ano online;
 
- nos próximos dias, será lançada a chamada para a seleção de novos colunistas para o blog. Assim, se você escreve sobre livros, arrume seus textos para sua candidatura.
 
A partir do próximo sábado, as edições deste Boletim também regressam ao seu formato completo, trazendo as demais seções que passaram a existir há algum tempo.

Espero que todos estejam bem. Seguimos de mãos dadas por aqui.

Karl Ove Knausgård. Foto: Magnus Liam Karlsson.


 
LANÇAMENTOS
 
Primeiro romance de Karl Ove Knausgård desde a consagrada série autobiográfica Minha luta é um impressionante relato da vida de nove pessoas durante dois dias de agosto, enquanto uma estrela gigantesca e inexplicável surge no céu.
 
Arne está de férias com a esposa e os filhos no sul da Noruega, enquanto Kathrine, uma pastora da igreja norueguesa, está voltando para casa após um seminário bíblico, questionando o próprio casamento. Turid, enfermeira de um hospital psiquiátrico, enfrenta o plantão da noite quando um de seus pacientes foge, enquanto Jostein, um jornalista ressentido em busca de uma grande matéria, afoga as mágoas no bar. Estes são apenas quatro dos nove personagens destrinchados por Karl Ove Knausgård em Estrela da manhã, uma narrativa vertiginosa sobre a perspectiva súbita da finitude humana. Um romance em suspenso, que retoma as características mais notáveis do autor da série Minha luta: a observação arguta dos pormenores do cotidiano, a reflexão atenta das relações familiares e uma provocação sofisticada sobre nossa própria existência no mundo. Traduzido diretamente do norueguês por Guilherme da Silva Braga, que em 2023 recebeu o prêmio de tradução da Norwegian Literature Abroad (Norla), o livro é publicado pela Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
Novo livro de Édouard Louis, o escritor francês que se destacou no Brasil com o romance O fim de Eddy.  
 
Ao retomar a ideia de transformação, que neste livro é desenvolvida até seu ponto máximo, Édouard Louis dá continuidade ao projeto que o alçou como um dos grandes nomes da literatura contemporânea. Dotado de uma voz sensível e cortante, em Mudar: método o autor narra o processo de amadurecimento de Eddy Bellegueule, nascido na classe operária de uma pequena cidade no norte da França, até se transformar, ativamente, didaticamente, em Édouard Louis, escritor de sucesso internacional. A mudança empreendida por Louis é aqui desfiada com a mesma crueza a que os leitores de Quem matou meu pai e Lutas e metamorfoses de uma mulher já estão habituados. Para escapar da pobreza, da homofobia e dos muitos espectros de violência que rodeiam seu meio de origem, o narrador se agarra aos estudos como forma de se libertar de um futuro nas fábricas, destino de seu pai e de gerações de homens de sua família. Durante o percurso, somos apresentados aos acontecimentos de sua infância e juventude, acompanhando de que maneira a distância entre Eddy/Édouard e sua família e amigos se faz cada vez mais presente. É por meio desse exame da própria trajetória que Louis pode enfim repassar as relações familiares e sociais, pautadas pelo dinheiro e pelo poder, até a descoberta da homossexualidade e as discriminações que marcariam sua vida para sempre. O livro sai pela editora Todavia. A tradução é de Marília Scalzo. Você pode comprar o livro aqui.
 
Mais dois franceses no catálogo de fundação da editora Cobalto.

1. Berthe, a contrita, de Balzac. “Sempre me pareceu que o seu mérito principal era ser um visionário e um visionário apaixonado. Todos os seus personagens são dotados do ardor vital com o qual ele mesmo foi animado. Toda a sua ficção é tão colorida quanto os sonhos. Do cume da aristocracia às terras baixas da plebe, todos os atores de sua comédia são mais amargos à vida, mais ativos e espertos na luta, mais pacientes no infortúnio, mais gananciosos no gozo, mais angelicais em devoção do que a comédia do mundo real nos mostra. Em suma, todo mundo em Balzac, até os porteiros, tem genialidade. Todas as almas são almas carregadas de vontade até o topo. Isso é o próprio Balzac. E como todos os seres do mundo externo se ofereciam aos olhos de sua mente com um alívio poderoso e trejeitos impressionantes, ele tornava suas figuras convulsivas; ele escureceu as sombras e iluminou as luzes. O seu gosto prodigioso pelos pormenores, que é devido a uma ambição desmesurada de ver tudo, para tornar tudo visível, para adivinhar tudo, para fazer tudo adivinhar, obrigou-o a marcar com maior força as linhas fundamentais, para salvar a perspectiva do todo. Às vezes me faz pensar naqueles aquafortistas que nunca estão felizes com o resultado, e que transformam em ravinas as principais escoriações do tabuleiro. Esta surpreendente disposição natural gerou maravilhas.” (Charles Baudelaire) Você pode comprar o livro aqui.
 
2. O paraíso dos gatos, de Émile Zola. Em 1874, Émile Zola, que já era autor de imponentes afrescos românticos, publicou uma coletânea de textos curtos sob o título Nouveaux contes à Ninon. Sem restrição de gênero, o autor de Germinal (uma das obras primas da literatura francesa) reúne com grande liberdade fábulas, retratos, memórias… Encontraremos aqui cinco dessas narrativas deliciosamente ecléticas, onde se revezam um gato errante, um ferreiro atarefado ou uma jovem heroína de grande coração. O título deste livro é o mesmo do conto que abre as breves histórias que mesclam a arte de Zola, uma fábula sobre esses pequenos animais domésticos, que se não são os melhores amigos do homem, com certeza são os melhores amigos da literatura. O filósofo francês Taine, amigo de Zola, disse que, tendo estudado cuidadosamente filósofos e gatos, achou os gatos muito mais sábios. A história levanta uma discussão interessante. Devemos buscar segurança na vida acima de tudo? Ou há outras coisas que talvez valham mais a pena, como a busca por aventuras ou ideais? O simpático gato protagonista desta história conta-nos a sua experiência e os seus motivos, e também os dos seus companheiros de aventura, com toda a sinceridade. Os dois livros têm tradução de Jorge Henrique Bastos. Você pode comprar o livro aqui.
 
A HarperCollins Brasil publica as edições definitivas de As crônicas de Nárnia reunidas numa caixa e com tratamento gráfico excepcional.

Guarda-roupas mágicos, anéis que levam para outros mundos, cavalos falantes e, o mais impressionante, um leão muito poderoso! As crônicas de Nárnia são a aclamada série de livros, escritos por C. S. Lewis, que narram as aventuras de crianças corajosas no nosso mundo e em outros universos mágicos e desconhecidos. A caixa agora publicada reúne os sete livros do ciclo em capa dura, com pintura trilateral, páginas amareladas, fitilho e detalhes dourados. As edições contam ainda com a nova tradução do professor Ronald Kyrmse — que também é um tolkienista de respeito — e com as ilustrações coloridas de Pauline Baynes. Tudo isso numa caixa rígida colorida, com soft-touch e detalhes em dourado. Você pode comprar o livro aqui.
 
Um novo romance da autora vencedora do prêmio Goncourt pelo romance Canção de ninar.
 
Leïla Slimani tem enorme apreço pela solidão, pelo silêncio e por passar tempo em sua casa, mas contrariando a própria natureza, aceita um convite para atravessar uma madrugada no museu Punta della Dogana para explorar as obras de arte sob o aroma das damas-da-noite e partir pela manhã. No espaço do novo e do antigo, ela confronta seu passado e seu presente, e vaga entre as memórias que a definiram como mulher, escritora e filha. Rodeada de arte, em O perfume das flores à noite Slimani explora em uma prosa delicada e envolvente o significado da beleza, da escrita, do eu e do outro, e, envolta pela noite, ela confronta, ainda, o papel da literatura. A tradução que sai pela HarperCollins Brasil é de Francesca Angiolillo. Você pode comprar o livro aqui

Um coletânea de poemas e contos recorda a obra de Cruz e Sousa.

Organizada por Ismael Chaves, Missal para o Diabo: contos e poemas assombrosos é uma seleção com as narrativas e os poemas mais sinistros de Cruz e Sousa. Publicada pela editora O Grifo, a antologia conta com posfácio de Alcebiades Diniz e apresentação de Alê Garcia. Você pode comprar o livro aqui.

Natalia Borges Polesso e um romance com duas histórias que se marcam pelo trânsito entre infância e a adolescência.
 
“Era o final dos anos 80, e tudo isso era normal. Pessoas levavam a filha das outras para casa sem avisar, crianças passeavam na caçamba dos carros, ninguém usava cinto de segurança, ansiedade era coisa que se curava com chinelada e/ou benzedura. E o mais maluco de tudo: existia uma bala assassina, a terrível e deliciosa bala Soft.” Nesse universo tão real quanto imaginativo, Natalia Borges Polesso apresenta duas histórias que trazem um olhar sensível sobre a passagem da sua própria infância para a adolescência. A relação com o irmão mais novo, o possível divórcio dos pais, os afetos pelas amigas e até a melhor forma de manejar um tchaku: tudo pode rapidamente se transformar em dilemas e inseguranças. À medida que as situações vêm à tona, a pequena Natalia vai descobrindo que compreender sentimentos é tatear no escuro e que aprender a tratar das próprias complexidades pode ser justamente o que faz ecoar a individualidade. Foi um péssimo dia é publicado pela editora Dublinense. Você pode comprar o livro aqui.
 
Uma nova tradução de um dos principais tratados do filósofo Espinosa.
 
Baruch de Espinosa, ou Spinoza (1632-1677), nasceu em Amsterdã, filho de pais judeus emigrados de Portugal. Aos 24 anos, por suas opiniões pouco ortodoxas, foi expulso da sinagoga da cidade e acabou se mudando para Haia, onde publicou duas obras em vida: os Princípios da filosofia de Descartes (1663) e o Tratado teológico-político (1670), este editado de forma anônima. Sua obra magna, a Ética demonstrada segundo a ordem geométrica, só veio à luz no final de 1677, após a sua morte, com a publicação, por amigos, das Opera Posthuma, tendo logo entrado para o Index da Inquisição. Constituída de cinco partes — “De Deus”, “Da natureza e da origem da mente”, “Da origem e da natureza dos afetos”, “Da servidão humana, ou das forças dos afetos” e “Da potência do entendimento, ou da liberdade humana” — e abordando questões de ontologia, epistemologia, física e psicologia, a Ética acabou se tornando uma das obras mais influentes do pensamento ocidental, sendo debatida apaixonadamente até os dias de hoje. Combinando o método euclidiano (usando de definições, postulados, axiomas, proposições, demonstrações, corolários e escólios) com o pessoal e o subjetivo (recorrendo à imaginação, ao corpo e à sensibilidade), o rigoroso trabalho intelectual de Espinosa parte da definição heterodoxa de que Deus está em tudo e tudo é Deus, para, assim, demonstrar passo a passo como podemos lidar com os nossos afetos e usarmos a potência do nosso intelecto para escapar da servidão e atingir a liberdade e a plenitude enquanto seres humanos. O novo volume publicado pela Editora 34, bilíngue latim-português, baseia-se na canônica edição Gebhardt da Ética, e traz a apurada tradução de Diogo Pires Aurélio, um dos maiores especialistas da atualidade na obra de Espinosa, que também assina as notas e a introdução a este grande clássico da filosofia moderna. Você pode comprar o livro aqui.

Um livro para os amantes de livros sobre livros. 

Qual a relação entre Santo Agostinho e as hashtags? O que os sermões de padres do século XIII têm a ver com pesquisas no Google em 2024? Este livro responde de modo divertido a essas e a outras perguntas ao narrar a história de uma ferramenta cotidiana pouco conhecida, mas extraordinária, e que hoje é a tecnologia-chave que alicerça toda a nossa leitura on-line: o índice. Com um passado ilustre, porém pouco visitado, o índice remissivo de assuntos e seus irmãos correlatos, como a concordância e o sumário, estão intimamente ligados à história dos livros, do conhecimento e das universidades, passando pela política e pela literatura. Apesar de relegado às páginas finais dos volumes impressos, e de mal constar nos livros digitais, o índice foi objeto de interesse e de narrativas de Virginia Woolf, Italo Calvino, Vladimir Nabokov e Platão. E é justamente esta a surpresa do livro de Dennis Duncan: fazer com que pensemos sobre esse dispositivo textual muitas vezes considerado menor ou trivial, mas que hoje é a base de nosso dia a dia. O autor domina a arte de desautomatizar visões pré-estabelecidas, chamando a nossa atenção para a invenção da ordem alfabética, do número de página nos livros impressos, bem como para polêmicas que parecem atuais, mas que há oitocentos anos permeiam a vida pública. Um exemplo delas é o fato de acharmos a ideologização dos dados um problema contemporâneo, sem nos darmos conta de que as entregas personalizadas dos algoritmos do Vale do Silício não estão muito distantes dos índices que, desde os primórdios, eram usados para zombarias, maledicências e formação de opinião. Eleito um dos melhores livros de 2022 pela revista New Yorker, Índice, uma história do traz uma série de anedotas com papas, filósofos, primeiros-ministros, poetas e, claro, indexadores, que guiam desde o bibliófilo mais apaixonado até o mais casual dos leitores por uma viagem divertida à curiosidade humana. Com humor bastante espirituoso, este livro não é só sobre leitura, mas sobre o modo como nos relacionamos com o mundo, como o categorizamos e o entendemos. É impossível não esboçar ao menos um sorriso ao navegar por esta ode às histórias bem contadas. A tradução de Flávia Costa Neves sai pela editora Fósforo. Você pode comprar o livro aqui.

Rever Debret, ainda.
 
Durante a década e meia que passou no Rio de Janeiro, entre 1816 e 1831, Jean-Baptiste Debret viveu uma existência dupla. Pintor da Corte, serviu dom João VI e dom Pedro I; ao mesmo tempo, preenchia caderno após caderno com desenhos e aquarelas, registrando o que via nas ruas da cidade tropical e escravocrata. De volta à França, valeu-se dos frutos desse ateliê das ruas para ilustrar copiosamente sua Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, publicada entre 1834 e 1839. No coração das imagens e dos textos que as acompanham, palpita uma pergunta premente para seu autor, filho da Revolução Francesa: como criar uma nação moderna a partir de uma história tão violenta, marcada pela perseguição aos indígenas e pela escravidão africana? Estamos longe, como se vê, da imagem costumeira do pintor neoclássico em exótico exílio ultramarino. Neste ensaio original que é Rever Debret: Colônia — Ateliê — Nação, Jacques Leenhardt convida-nos a revisitar a obra de Debret, bem como sua longa e atribulada fortuna entre nós, até o presente mais próximo. Pois, rechaçado pela Biblioteca Imperial brasileira no século XIX, redescoberto e traduzido no XX, o livro de Debret converteu-se, no início do XXI, em ponto de partida para um intenso trabalho de crítica, paródia e carnavalização na arte brasileira, sobretudo às mãos de artistas ameríndios e afro-brasileiros. É para essa reviravolta que se dirige a atenção de Leenhardt na parte final de Rever Debret — para esse momento em que vão se invertendo simbolicamente as hierarquias iniciais, de tal modo que os herdeiros dos antigos focos da atenção de Debret retomam e subvertem as imagens do passado. Nesse ateliê contemporâneo vão se plasmando não apenas novas formas de prática artística, mas também novas formas de imaginar os corpos e os saberes, as fraturas e as possibilidades de uma nova história para a nação brasileira em uma perspectiva livre da sombra colonial. Com tradução de Samuel Titan Jr., o livro que integra a coleção Fábula, sai pela Editora 34. Você pode comprar o livro aqui.

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Durante o recesso de final de ano, as edições do Boletim Letras 360º são reduzidas; saem sem as demais seções de costume.

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