A besta, de Bertrand Bonello: uma história das emoções a partir de Henry James

Por Javier Yuste




A obra do escritor nova-iorquino Henry James (1843-1916), mestre do ponto de vista e célebre por mergulhar na profundidade psicológica de seus personagens, seduziu grandes cineastas, que levaram seus romances e contos para a grande tela, desde William Wyler (The Heiress, 1949) a Jane Campion (The Portrait of a Lady, 1996), passando por Jack Clayton (The Innocents, 1961), Peter Bogdanovich (Daisy Miller, 1974), François Truffaut (La Chambre verte, 1978), James Ivory (The Europeans, 1979, e The Bostonians, 1984)
 
Nos últimos tempos, foi o seu romance fantasmagórico A outra volta do parafuso que manteve viva a chama do escritor no campo audiovisual, com duas produções em 2020 que exploravam os elementos mais sinistros da narrativa: o filme homônimo de Floria Sigismondi, em que os astros de séries de TV MacKenzie Davis (Halt and Catch Fire) e Finn Wolfhard (Stranger Things) se entregavam aos sustos, e A maldição da mansão Bly, série de Mike Flanagan para a Netflix que conseguiu combinar o terror com o romantismo inerente à trama.
 
Em 2023 saíram dois filmes franceses baseados na história A fera na selva, onde um homem e uma mulher se reencontram dez anos depois de se conhecerem, quando ele lhe disse que tinha a premonição de que em seu destino guardava um acontecimento catastrófico capaz de destruí-lo.
 
Essa intuição condiciona a relação que manterão durante décadas, que nunca ultrapassará o limiar do platônico. A fera na selva a que se refere o título nada mais seria do que o medo de se entregar ao outro, o medo de amar.
 
Ambos os filmes propõem em cenas e soluções narrativas pós-modernas e impactantes, contribuir com reflexões contemporâneas para a obra de Henry James. Em La Bête dans la jungle, Patric Chiha limita o cenário a uma boate parisiense, onde os atores Anaïs Demoustier e Tom Mercier se encontram diversas vezes entre 1979 e 2004.
 
O filme funciona como uma representação da evolução da dance music, do disco ao techno, e também do ponto de vista político-social, tratando de acontecimentos como a crise da AIDS ou os ataques de 11 de Setembro. No entanto, a complexa relação entre os protagonistas proposta pelo romance não funciona.
 
Se a premissa de Chiha é extravagante, a do já maduro enfant terrble do cinema francês Bertrand Bonello, num projeto que estrelaria o tragicamente falecido Gaspard Ulliel, é verdadeiramente intrincada e labiríntica.
 
Poderíamos considerar a Paris do ano 2044 como o presente da narrativa fílmica, um futuro em que a Inteligência Artificial assumiu o controle da humanidade e incentiva os cidadãos a se submeterem a uma operação de purificação do DNA capaz de permitir que atenue as suas emoções, consideradas como uma ameaça, e assim, poder candidatar-se a empregos estimulantes.
 
A intervenção permite que Gabrielle (Léa Seydoux) se conecte com suas vidas passadas para se livrar dos antigos traumas que contaminam seu inconsciente. Desta forma, o filme também se passa em outros dois espaços temporais: uma Paris em 1910 ameaçada por terríveis enchentes e uma Los Angeles em 2014, onde ocorrerá um terremoto. Gabrielle lembra de seus encontros nesses momentos com Louis (George MacKay), mas se no romance era ele quem estava obcecado com a chegada de uma catástrofe, no filme será ela.
 
O roteiro de Bonello funciona como uma peculiar história das emoções: em 1910, o fragmento do filme mais próximo ao enredo de Henry James, vemos como os personagens, com a sutileza e a modéstia típicas da época, as expressam. Em 2014, reencontramos Louis, que foi finalmente rejeitado por Gabrielle em sua vida anterior, transformado em um perturbador incel cuja repressão de seus sentimentos o levou a odiar as mulheres. E finalmente, em 2044, vemos como as emoções desaparecem, conduzindo a espécie humana a uma fria e uniforme solidão.
 
Embora cada uma dessas épocas seja construída a partir de um gênero — drama de época, suspense e ficção científica — e tenha seus próprios terrores e códigos — por exemplo, 1910 é o único episódio filmado em 35 mm —, o sucesso de um filme tão complexo em sua estrutura, repleta de fraturas e experimentos digitais, é que o melodrama funciona a todo momento, tornando verossímil essa história de amor através do tempo, o que é profundamente fiel à mensagem de Henry James: amar é algo que dá medo.
 
Por fim, como indica o prólogo em que a voz de Bonello guia sua atriz principal diante de um croma verde, La Bête (A besta, em português) é também um filme construído à maior glória de Léa Seydoux, que com sua beleza atemporal e dicção sedutora — tanto em inglês quanto em francês — presta-se a jogar sem concessões, desenvolvendo também uma química envolvente com o australiano George Mackay. 


* Este texto é a tradução livre de “The Beast (La Bestia): Bertrand Bonello sirve una historia de las emociones a partir de Henry James”, publicado aqui, em El Cultural.

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