O Mensageiro do Diabo, de Charles Laughton




Robert Mitchum se encaixa com perfeição no papel de um psicopata que assombra criancinhas nesta grande fábula sombria

Quando fez O Mensageiro do Diabo, o currículo de Charles Laugton tinha apenas uma co-direção (O Homem da Torre Eiffel, de 1951). Era na atuação que este inglês fizera seu renome, até então com mais de 50 papéis – alguns deles, desempenhados soberbos sob a direção de gênios como Alfred Hitchock e Jean Renoir. Tal experiência nos sets de filmagem parece ter se transportado para este longa-metragem, peça única, inimitável e, ao mesmo tempo, herdeira de outros estilos cinematográficos.

O filme possui imagens em preto-e-branco bem contrastado, semelhante às fotografias do expressionismo alemão e do noir norte-americano. Se a estética é influência dos austríacos Fritz Lang e Otto Preminger (este, quando já filmava nos Estados Unidos obras como Alma em pânico, de 1952), o tom da história é o do Hitchock, com engendrado suspense mesclado com humor. Mas a violência é maior e, de modo geral, o longa parece um conto de fadas sorridente e macabro.

Harry Powell (Robert Mitchum) é um ex-presidiário, misto de anjo e demônio, tanto um reverendo como um assassino de esposas, das quais rouba dinheiro. Ele se casa com uma viúva, Willa Harper (Shelley Winters), que já possui dois filhos do casamento anterior e que o seguirá obstinadamente. Essas duas crianças, agora sem mãe e sabendo dos antecedentes do padrasto, fugirão pelo mundo, perseguidas pelo “lobo mau”. O suspense aumenta a medida em que a personagem de Harry vai mostrando sua perversidade, o que faz dele um vilão inédito no cinema de 1955 e inesquecível até hoje.

Pelo fato de Laughton ser também um exímio ator, como diretor optou por alguém do gabarito de Mitchum, cuja capacidade de pender entre o cômico, o galante e o monstruoso é ideal para essa obra meio onírica e fabular, sobre a maldade humana. Com seu rosto enigmático, Mitchum transmitiu, também, forte conteúdo sexual à história, escandaloso para os Estados Unidos daqueles tempos em que a censura era usual.

Tomando-se por base apenas a firmeza de seu trabalho nessa produção, a originalidade das soluções para as cenas e a precisão dos efeitos cômicos e de terror, seria possível supor uma sequência de filmes para esse diretor estreante. Mas não foi o que aconteceu: o longa foi um desastre financeiro e a carreira de Laughton ficou comprometida para sempre.

* Revista Bravo!, 2007, p. 35


Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

Fedra de Eurípides, Fedra de Racine

11 Livros que são quase pornografia

Seis poemas de Konstantinos Kaváfis

Com licença poética, a poeta (e a poesia de) Adélia Prado

Dez poemas e fragmentos de Safo

Boletim Letras 360º #669