O fio das missangas, de Mia Couto

Por Pedro Fernandes



O fio das missangas, de Mia Couto, chega ao Brasil através da Companhia das Letras em 2009 (imagem), mas saiu em Portugal, onde a obra do escritor moçambicano tem sido publicada, cinco anos antes pela editorial Caminho. Este é o seu sexto título utilizando-se da forma narrativa conto. Sucede a altura, pelas primeiras leituras críticas, outras obras do gênero, como Vozes anoitecidas, até o presente o mais premiado dos livros já apresentados. 

O livro é composto de um feixe (ou seria um fio?) de 29 histórias (ou seriam 29 missangas?). A dúvida se o livro é um fio e os contos as missangas é instaurada desde o título a epígrafe do livro - A missanga, todos a veem. Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo. E se confirma quando somos colocados diante a delicatesse das narrativas. Estão elas, assim reunidas, mais para a composição do perfil das missangas.

São histórias leves algumas, densas outras, arredondadas e diferentes no tom, mas não tão diferentes na forma, que juntas dão conta de silêncios e compõem silêncios - das mulheres, dos homens, dos que a sociedade tem trazido à margem (o mendigo, o velho, a criança, o poeta). 

Mia Couto coloca em suspense a ideia de que o contista está para apenas a observação e a escrita (narração) de histórias e funde essa função (colhida, como sabemos, da sua herança oral) com a função do poeta que é a de reivindicar para si um idioma próprio para conseguir acessar as nuances mais abstratas do homem - o fio que, em colar vistoso vai compondo as missangas.

É pelas vias de uma sensibilidade que aflora na trama das narrativas que Mia Couto reengendra espaços subjetivos. Mas não encontro nesses contos apenas o espaço de Moçambique - que muitos já disseram ser o território subjetivo do escritor; sei que seu país natal encontra-se nessas narrativas - o policromismo dos espaços subjetivos são fragmentos desse Moçambique diverso e plural - mas entendo que o esforço do contista é pela universalização da sua geografia. 

O que observa o contista está em toda parte, em toda periferia de qualquer parte do mundo. Os silêncios das subjetividades são os silêncios do povo, colocado à margem por um movimento de dominação dentro e fora de suas fronteiras. Os desamores, os desencontros, as incompreensões, o cerceamento dos espaços, as vidas desperdiçadas, os sonhos por realizar retomam, no fim de tudo, o drama da própria humanidade que se ensaia, diariamente, na vida de cada ser humano.

***

Com esta publicação, inicio no blog uma breve coluna chamada “Miacontear” que objetiva uma breve apresentação e comentário das 29 histórias que compõem O fio das missangas. Não serão apreciações críticas; apenas notas, impressões passageiras colhidas ao passo da releitura dos contos, como se fosse uma leitura pública. Será uma nota por semana até completar o fio do silêncio de leitor sobre o livro. Acompanhe aqui.

Ligações a esta post:
Leia um breve comentário sobre a vida e a obra de Mia Couto publicado aqui.

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