Sobre celulares, ratos e homens


Por Gabriel Stroka Ceballos




Esses dias terminei de ler Ratos e homens. O clássico de Steinbeck fala sobre a amizade de dois tipos muito diferentes entre si: Lennie, um grandalhão bruto e ingênuo como uma criança e George, um homem pequeno, inquieto e sagaz. Mas, como todo clássico, o livro também fala (ou ao menos abre margem) para muito mais. Um destes pontos é a solidão quase onipresente entre os demais personagens.

Publicado em 1937, à época da Grande Depressão, Steinbeck conta sobre a busca destes dois parceiros por trabalho nas fazendas da Califórnia. A diferença entre eles e os demais personagens é que aqueles têm um vínculo profundo, enquanto todos os outros são como ilhas. 

Inicialmente, essa repetida independência de relações poderia ser explicada pela situação social e histórica das figuras retratadas. São trabalhadores pobres tentando sobreviver na longa ressaca de uma crise econômica. A justificativa então seria que eles não se envolviam entre si, pois não podiam arriscar perder o pouco que conquistavam com o suor das costas. Cada punhado de dólares era precioso e criar relações com desconhecidos era arriscar ser passado para trás.

Tem sido comum culpar a falta de profundidade nas relações à modernidade líquida. Dizem que a tecnologia traz mudanças sociais cada vez mais rápidas e que, é por este motivo que não criamos vínculos mais profundos. (Há também, ao menos, quem argumente de outra forma, dizendo que apenas ganhamos mais liberdade para nos desfazermos de relações que não são satisfatórias).

Mas se pararmos para ler o livro com atenção veremos que não são apenas aqueles que têm medo econômico que estão isolados. Não. O negro (nome do personagem) e a mulher, tentam se livrar do isolamento social que os circunda pelo fato de serem o que são, escravo e mulher. Talvez até Curley, mau-caráter e brigão, viva tentando se livrar de suas inseguranças.

Então para que lado estão tentando ir os personagens? Para a independência por medo da vulnerabilidade? Ou para as relações reais por algum tipo de necessidade humana de ser um ente social? Para ambos. É como se brigassem, animal e humano. Um esquivo e arisco sobrevivendo na selva, o outro ingênuo e entregue: ser social que quer amar e ser amado (por mais clichê que isso soe).

Resta a coincidência de que o que nos faz evitar as relações mais profundas seja a vulnerabilidade, e o que nos faz querê-las também.

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