Ariano Suassuna por Ariano Suassuna

Ariano Suassuna. Foto: Fred Veras (detalhe / reprodução)

A paixão pela leitura
“Eu comecei pela literatura, querendo ser escritor aos 12 anos de idade. Assim que me alfabetizei, senti a paixão pela leitura. Meu pai tinha deixado uma biblioteca, coisa que não é comum no sertão. Ele era um grande leitor, tinha uma memória prodigiosa, gostava de poesia popular, como eu. Um dos livros de Leonardo Mota, importante pesquisador do cancioneiro e dos cantadores, eu encontrei na biblioteca de meu pai. Era Sertão alegre, foi dedicado a seis pessoas e uma delas era meu pai. Meu pai deu vários versos a ele. Eu tive primeiro a experiência com a biblioteca do meu pai, da qual ainda tenho alguns exemplares. E não por acaso, os três folhetos que me baseei para fazer o Auto da Compadecida, estão todos três lá. Depois meus irmãos, que já estavam no Recife, começavam a levar livros quando ia passar as férias em Taperoá. Comecei a ler romances ilustrados e romances de aventura. Um deles o Escaramuche, que acabei de reler. Como estou relendo pela milésima vez o Conde de monte cristo. Muito naturalmente dessa paixão pela leitura, eu tentei ser escritor. Aos 12 tentei meu primeiro conto, um conto horroroso.”


O escritor em seu quarto. A carreira deve início aos 18 anos.

A decisão de ser escritor
“Quando vim estudar no Recife, fui estudar no Ginásio Pernambucano. Lá, peguei um livro com reprodução de todos os museus da Europa e comecei a desenvolver o gosto pela pintura. Eu tentei outras artes.  Ainda hoje sou um músico frustrado, um escultor frustrado, um pintor frustrado. Mas, de repente, eu descobri que não estava mais na Renascença que o Papa sustentava o artista. Eu tinha que escolher e escolhi a literatura; isso se deu mais ou menos aos 19 anos. Mas para deixar de querer ser pintor foi muito importante meu encontro com Brennand. Eu levo a arte muito a sério e então vi que ele tinha muito mais força no campo da pintura, que eu não chegava nem perto. Isso me ajudou a conhecer qual era a arte fundamental para mim.”

Autobiografia literária
“Eu acredito que toda literatura, principalmente ficção, tem a autobiografia. É a recuperação e redenção de toda a vida. A literatura procura cicatrizar pela beleza as chagas do sofrimento, de dor, do mal que existe no mundo. É uma espécie de busca da redenção pelo fechamento das feridas e pela procura do tempo perdido, para usar uma expressão proustiana. Para mim, o mal e o feio são como chagas, são ferimentos na face do ser. Esses ferimentos que o mal nos fez não têm salvação metafisica. A única salvação que eles podem ter é a estética.”

Ariano (sentado, o primeiro da esquerda) e os sete irmãos. Foto de 1929. No mesmo ano nasceu o oitavo irmão.
Menino do sertão
“Eu era muito integrado ao meio ambiente. Eu encontrava a vida nos livros e levava algumas coisas dos sonhos que o livro me trazia para a vida que me cercava. Um dos lugares de encantamento que mais me tocavam no sertão, por motivos óbvios, eram os riachos em tempo de chuva. A água, exatamente por ser rara, é uma coisa maravilhosa. Teve um ano em que eu tirei boas notas e minha mãe, que era uma pessoa de muito bom senso, me deu as obras completas de Monteiro Lobato. Foi essa coleção que me despertou a curiosidade pela história. Depois disso, o riacho ficou uma coisa mágica para mim.”

A Faculdade de Direito
“Houve um alargamento e aprofundamento da minha literatura. Inclusive porque a biblioteca da faculdade era muito boa. Nenhum de nós foi para lá à procura do Direito. A gente fez essa opção porque, das carreiras possíveis da época, era a mais humanística. Se tivessem outras opções, teria feito Filosofia ou Letras. Já me interessava por filosofia. É uma coisa importantíssima para mim. Pode até não ser para os outros.”

Recife
“Eu, de certa forma, tenho uma dívida para como o Recife. Ela tem um papel importantíssimo na minha vida. Mas, para mim, a infância e adolescência formam o tempo que é mais importante da mitologia pessoal do escritor. Além do mais, o sertão é uma terra impressionante. Eu cheguei a conviver com um cangaceiro! Eu o conheci pessoalmente. Eu já escrevi um poema sobre o Recife, no qual comparo diversos movimentos do Recife com lugares de todo o Nordeste. Eu ligo as duas torres iguais da Igreja de Santo Antônio às duas torres da Pedro do Reino. Nesse poema, é como se o Recife fosse o resumo de todo o Nordeste e de todo o Brasil.”

Estreia no Rio de Janeiro de O auto da Compadecida em 1957, no Teatro Dulcina.

Teatro do Estudante de Pernambuco
“O papel do Teatro do Estudante foi enorme. Na Faculdade de Direito não tinha lugar para teatro, porque o auditório não se presta para teatro, então nós improvisamos na biblioteca. A gente junto as mesas da biblioteca, forrou com um pano e era o palco. As pessoas assistiam em pé. Foi lá que a gente estreou o Teatro do Estudante. Encenamos A sapateira prodigiosa, de García Lorca, fizemos A casa de bonecas, de Ibsen. A gente encenava gratuitamente, principalmente para estudantes, mas até em prisões e hospitais a gente foi. Foi um movimento muito bonito o Teatro do Estudante. Eu tenho muito orgulho de ter participado.”

Hermilo Borba Filho
“Nós fundamos o Teatro do Estudante sob a liderança inconteste de Hermilo Borba Filho. Eu lembro que escrevi um poema chamado ‘Os Guabirabas’. Então, ele leu esse poema, e quando leu, ele disse, ‘você precisa tomar conhecimento do teatro de García Lorca’. Ele era dez anos mais velhos do que eu. Ele era de 1917. Um velho de 70 anos e um velho de 80 anos dialogam de igual para igual, mas eu com 18 e ele com 28 era uma diferença muito grande. Além disso, ele já era casado, já tinha independência financeira, já tinha uma biblioteca dele e era um leitor apaixonado, que sempre me indicava livros e emprestava. Ao mesmo tempo, Aloísio Magalhães trazia contribuições plásticas para nossas conversas. Frequentávamos todos os dias de noite a casa de Hermilo. A verdadeira universidade para todos nós era a casa de Hermilo Borba Filho. Travávamos discussões terríveis, tinha gente de todo tipo. Eram discussões estimulantes.”

O casamento de Ariano Suassuna com Zélia de Andrade. Foto: Divulgação.


O auto da Compadecida
“Depois que Hermilo foi para São Paulo, fui convidado para dar um curso de teatro no Ginásio Pernambucano. Os alunos então me pediram para escrever uma peça para eles fazerem como trabalho de conclusão. Ao mesmo tempo, o Gráfico Amador me encomendou uma peça em um ato. Ela não precisava ser grande porque a prensa deles era manual, então a composição era feita à mão. Aí eu me lembrei de um dos folhetos que eu tinha lido entre os livros de Leonardo Mota, chamado O testamento do cachorro, então resolvi fazer uma peça baseada nele. Acontece que tomei gosto e ao invés de fazer uma peça em um ato eu fiz uma três atos. Foi o Auto da Compadecida. Meus alunos não acertaram encenar e nem eu dirigir. Aí a gente desistiu. Quando foi um dia, Luiz Mendonça e Ilma vieram pedir para eu dar a peça para eles e José Pimentel que fizeram sob a direção de Clênio Wanderley. Eles fundaram então um grupo chamado Teatro Adolescente do Recife. Foi esse grupo que estreou o Auto da Compadecida. O teatro estava às moscas. No primeiro dia, encheu só a metade das cadeiras de baixo. No segundo, metade da metade. No terceiro, a gente retirou por falta de público. Então nós fomos ao Rio e estreamos lá no dia 25 de janeiro de 1957. Eu casei no dia 19 e depois viajei para o Rio para assistir a estreia. Depois daí, imediatamente me pediram para editar. Foi minha primeira peça editada.”

Iluminura com poema de Ariano Suassuna. A Acauhan ou A malhada da onça. 1983.
Arquivo Roberto Marinho. Foto: Cristina Isidoro

Televisão
“A primeira vez em que eu fui procurado para fazer um trabalho para televisão foi nos anos 60 do século 20, mas eu não me entendi com o diretor e vi que não ia dar certo. Eu via a importância da televisão, mas nunca dei um trabalho meu até que na década de 90 eu encontrei Luiz Fernando Carvalho e vi que com ele me entendia. Não houve dificuldade. No mento em que a gente se conheceu, vi que com ele dava. Mas veja que paciência, eu passei 30 anos ignorado por esse importante meio de comunicação que é a televisão.”

cena de A Pedra do Reino. Escrita por Luis Alberto de Abreu, Bráulio Tavares e Luiz Fernando de Carvalho, a produção assinala a passagem  dos 80 anos de Ariano Suassuna em 2007.

Antunes Filho e A Pedra do Reino
“Ele teve um gesto de grandeza. Quero ser justo e sou justo com alegria. Porque se alguém fizesse comigo o que eu fiz com ele, eu nunca mais procurava. Eu proibi a encenação quando ela já estava indo para o ensaio geral. Ele me procurou há uns cinco anos. Ele deu uma entrevista em Brasília e disse que continuava com o sonho de fazer A Pedra do Reino. Ele disse: ‘façam um apelo a Suassuna para que ele permita.’ O jornal veio me ouvir. Eu disse que ele estava dando uma demonstração de grandeza e que eu estava de acordo que ele montasse. Eu hoje estou mais maduro. Quem quiser ver A Pedra do Reino que leia o romance. Eu vou a um espetáculo, a uma leitura sua. Dei essa permissão a ele e não me arrependi não. Gostei muito da peça. Assisti duas vezes. Na estreia, vi que o público estava gostando muito. Mas o público de estreia é diferenciado. Estava cheio de atores, críticos. Eu gostei; mas não gostei sossegado. Uns dois meses depois, por acaso, voltei a São Paulo e assisti sozinho e gostei mais ainda.”

As influências
“Thomas Mann escreveu uma frase uma vez da qual estou inteiramente de acordo: ‘Ninguém pode receber influência daquilo que lhe é alheio’. Se você ler um autor que não tem parentesco com seu universo místico, você esquece, aquilo passa. Quando a gente pega um autor que é da família da gente, ele revela para gente coisas que às vezes estavam até obscuras para nós mesmos. Isso aconteceu comigo com relação a Cervantes, a Gogol e a escritores que são considerados menores como Alexandre Dumas. Todos eles me influenciaram terrivelmente. Eu conheço poucos escritores que confessam suas influências como eu. Nunca me afastei dos escritores que eu gosto. Na abertura do romance que estou escrevendo, eu digo que o que existe nele de trágico, lírico e de pessoal têm como patronos Dante, Euclides da Cunha e Augusto dos Anjos; e o que tem de cômico, tem como patrono Cervantes, Gregório de Matos, António José Silva, o judeu, e Lima Barreto. Ainda hoje aqueles autores que me marcaram mesmo continuam dentro de mim e eu continuo fiel a eles e as suas influências.”

Ideologia
“Eu sou muito paciente e sou muito tranquilo porque tenho a convicção de que tudo que eu faço é coerente com aquilo que acredito. Agora, querer que eu goste de coisas que eu condeno,  aí não dá. Acho que o que faço é bom para o Brasil dentro dos meus limites. O pessoal diz: ‘ele só apoia artista que admira’. É claro. Não vou apoiar artista que eu não admiro. Mas eu não sou ditador não! Na primeira vez que fui Secretário de Cultura, o pessoal nunca entendeu quando eu disse que da minha verba não dava um tostão para o que não gostava. O pessoal ficava indignado. Mas era a verba do meu gabinete. A Fundarpe, que estava sob meus cuidados, apoiava coisas que eu pessoalmente achava péssimas. Eu me lembro que com o meu aval e minha assinatura foi convidado para o Festival de Garanhuns o grupo Paralamas do Sucesso, que eu tenho horror. Eu achava que ele devia fazer o sucesso dele em outro paralama, não no nosso. Mas eu sou aberto. Agora, querer que eu diga que é bom? Só nascendo de novo!”

Leia nossas homenagens para Ariano Suassuna
> Pedro Fernandes e dez notas sobre a dor de uma perda
> Pedro Fernandes, o editor do Letras, redigiu notas de uma das aulas do mestre
> Em 2013, redigimos um texto sobre a obra poética Ariano + catálogo com sua poesia
> No Tumblr Dez momentos raros sobre Ariano
> No Tumblr quatro iluminuras com poemas de Ariano
> Obras indispensáveis para conhecer a literatura de Ariano Suassuna
> No canal do Letras no Youtube indexamos uma das aulas magnas de Ariano

Via Diário de Pernambuco, especial Ariano Suassuna 80 anos.

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

Boletim Letras 360º #613

Boletim Letras 360º #612

Seis poemas de Rabindranath Tagore

Boletim Letras 360º #602

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

Cinco obras fundamentais ao leitor de Gustave Flaubert