Em diálogo com Marguerite Duras

Por Fernanda Fatureto

Marguerite Duras. Foto: Bettina Rheims


Marguerite Duras este ano completa 109 anos. Nasceu em 4 de abril de 1914 na Indochina (hoje Vietnã), filha de pais franceses, emigrou para a França em 1932. Faleceu em 1996, aos 81 anos.
No Brasil vemos a reedição de sua obra pela mineira Relicário Edições — que já lançou Hiroshima meu amor; Moderato cantabile e Escrever. Também a Bazar do Tempo reeditou recentemente, da escritora, A dor.
 
A escritora francesa exerce um grande fascínio em todos os seus leitores. Fruto de uma escrita densa que permeia temas universais como o amor, a dor, a morte e o próprio ofício de escrever (tema que me parece recorrente em seus livros e que a liga ao movimento do Novo Romance Francês).
 
Segundo Leyla Perrone-Moisés em “O novo romance francês”, a experiência do romance para Duras é mais filosófica do que artística, embora seus livros neste gênero sejam muito bem elaborados. Para os “novos romancistas” a preocupação era estilhaçar a estrutura linear da tradição e inaugurar uma nova forma narrativa.
 
Em Escrever (Relicário, 2021), Marguerite Duras toma a escrita pelas mãos e compõe uma reflexão — expondo seu ofício até o limite da escritura. “A solidão da escrita é uma solidão sem a qual a escrita não acontece”, afirma. Logo somos levados para sua ampla casa em Trouville e a vemos imersa, sozinha, entre papéis e o álcool: seu companheiro de décadas. A escrita jamais a abandonou.
 
A escrita é uma força misteriosa que “chega com a noite” (como afirma em A vida material) e a escritora francesa escreve que “jamais vou saber por que escrevemos e como não escrevemos”. Para a autora, um livro nunca é algo premeditado. Ele acontece enquanto fluxo contínuo.
 
Em Escrever, diz: “Acho que a pessoa que escreve não tem a ideia de um livro, tem as mãos vazias, a mente vazia, e dessa aventura do livro só conhece a escrita seca e nua, sem futuro, sem eco, distante, com suas regras de ouro: a ortografia, o sentido”.
 
Essa percepção filosófica da escrita, citada por Leyla Perrone-Moisés, parece ocupar o centro da criação em Duras. Pois ela levará a escritura aos limites do ser e do não-ser. Muitas vezes se deparando com o imenso vazio para retirar dele material. Duras afirma: “Vou falar sobre nada. Sobre nada”.
 
De acordo com Perrone-Moisés, os temas como a impossibilidade da comunicação estão presentes em sua obra — podemos ler claramente a respeito em Hiroshima meu amor (Relicário, 2022), romance que narra o encontro entre uma francesa e um japonês após o bombardeio em Hiroshima e a reconstrução de um país devastado pela guerra.
 
Esse amor e sua impossibilidade chegam como nos chega a escrita: “chega como o vento, é nua, é de tinta, é a escrita, e passa como nada mais passa na vida, nada mais, exceto ela, a vida”.
 
A observação da vida, para Duras, em Escrever, põe em cena a impossibilidade à transformação da possibilidade da escrita ao afirmar: “Escrever. Não posso. Ninguém pode. É preciso dizer: não podemos. E escrevemos”.

A fina camada que separa o ser e o não-ser em Marguerite Duras nos transpõe a uma das escritas mais viscerais e importantes do século XX — ao presenciar a guerra, o horror do Holocausto, o amor, a dor — e a realizar na escrita e pela escrita uma nova utopia: que a arte veio para preencher lacunas deixadas pela própria vida.


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