Desenhos de Jean-Paul Sartre



Temos compreendido uma coisa: quem constrói mundos imaginários seja simplesmente por imaginá-los seja para explicar determinantes vividos tem necessidade, uma vez apenas, de materializar isso através de outra grafia que não a da palavra escrita. Raramente não encontramos um escritor que não tenha se dado ao desafio de transcrever em forma de imagem aquilo que é imagem através da escrita.

E, o bom de tudo é depois de largo tempo descobrir esses desenhos, rabiscos, garatujas porque parece ficarmos diante do pensamento em elaboração; ou ainda ficamos em contato com certa maneira de ver-se (pensamos aqui nas quantas caricaturas que o Carlos Drummond de Andrade fez de si), de como escritor imagina aquela personagem ou situação, ou mesmo nos desfazemos de certa imagem sisuda do autor, já que a caligrafia do desenho tem uma dimensão lúdica e despojada, muitas vezes, da seriedade.

Sem falar ainda que, as artes plásticas sempre têm encontrado na literatura um campo muito fértil para sua construção; aqui pensamos na variada forma com que a Alice, de Lewis Carroll, já foi interpretada pelo traço e pela pintura, como já vimos por aqui.

E, naquela linha de materialização do imaginado, é significativa a atitude de alguns escritores; uns levaram a ideia do desenho a algo mais elaborado – como já vimos aqui com a Sylvia Plath e William Faulkner; outros avançaram além do traço para a pintura, como D. H. Lawrence. Nesses casos, chega quase a ser uma surpresa aos leitores.

Pois bem, quem não terá se furtado à aventura pelo desenho foi o filósofo e romancista Jean-Paul Sartre. Descobrimos uma coleção com seis caricaturas infantis, digamos assim, pelo traço pouco à vontade na página; o gesto, antes de reforçar o clichê de que ele não tinha jeito para as artes plásticas, não deixa de nos levar à compreensão de outra face do escritor.

Há um certo charme perverso ou uma sátira visual de Sartre sobre falhas morais humanas que ele chama de uma “série de doze vícios sem referência”. Mas, ao que parece ele só chegou a produzir metade da quantidade previstas de desenhos, ou, possivelmente a outra metade anda perdida, já que o autor garante ao destinatário de sua obra, uma tal Mademoiselle Suzanne Guille, a apresentação da série completa.

Quando foi descoberto esses desenhos endereçados a essa senhora, veio logo a pergunta: quem era Suzanne Guille? Também não se tem certeza da existência da personagem. A seção Beinecke Rare Book & Manuscript Library da Yale Universty que abriga esses esboços, nos dá uma indicação: talvez ela fosse uma parente, talvez o codinome do último amante de Simone de Beauvoir, Pierre Guille? Dada a complexa ligação entre os dois escritores, as possibilidades são um tanto intrigantes, sobretudo, quando somos colocados diante dos temas propostos nos desenhos, quais como se fornecessem ao destinatário chaves para o universo moral do desenhista.

Bem, passamos as suspeitas para o nosso leitor que abaixo tem um fac-símile com as caricaturas e os títulos com os quais elas foram designadas. Junto com o material está também uma missiva de Sartre para a tal Mademoiselle Guille.






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