Os conselhos de Tolstói para uma vida equilibrada




Possivelmente. Se olharmos a vida do escritor russo em comparação com a de outros nomes podemos dizer que, sim, teve equilíbrio. Mas, a questão pode passar por ângulos diversos e o principal desses é que Tolstói, de fato, como todo simples mortal, tinha seus impulsos e fez o que pôde para canalizá-los noutra direção. Nesse rol de cuidados pode estar a resposta para isso e pode estar o caminho para os romancistas aspirantes ou perseverantes em seguir os passos do autor de Guerra e Paz, afinal impossível admirar a obra e não admirar o modo de vida de quem a escreveu.

Equilibrada ou não, as biografias revelam uma abundância de acontecimentos sobre o autor que viveu 82 anos lutando com suas próprias forças para ser/ viver como Liev Tolstói. No Brasil mesmo há duas em circulação: Tolstói – a biografia, de Rosamund Bartlett com tradução de Renato Marques e publicada em 2003 pelo selo Biblioteca Azul da Globo Livros e Tolstói, a fuga do paraíso, de Pável Bassínski com tradução de Klara Guiranova e publicada no mesmo ano pela LeYa Brasil.

Bartlett, logo na introdução das mais 640 páginas em que se dedica a esmiuçar a vida do romancista, diz que “desde que nasceu, no seio de uma família aristocrática nos idílicos arredores da Iásnaia Poliana, Tolstói viveu uma vida profundamente russa” e viveu mais vidas do que a maioria de seus compatriotas uma vez que deu persona a diversos arquétipos nacionais; foi desde o viciado em jogo que teve de se desfazer de seu patrimônio para saldar as dívidas que ia contraindo, passando pelo garanhão que nunca despreza o prazer de levar uma mulher para cama, ao aristocrata arrependido que abdicou da riqueza, dos direitos autorais, para viver como um camponês simples.

Dessa última fase da vida se encarrega o texto Pável, sobretudo, de quando em meados de novembro de 1910, já aos 82 anos, Tolstói abandonou às pressas e escondido da mulher a propriedade de Iásnaia Poliana num episódio que repercutiu o mundo. Entre o desaparecimento do escritor e sua morte dez dias depois se construiu uma série de histórias hoje míticas. Na nova vida, Tolstói acreditou nas coisas simples como elemento crucial para alcançar o estado pleno de felicidade.

Mas, até alcançar esse estágio, o escritor teve suas presunções ou uma grandiosa modéstia: “Eu tenho que me acostumar, uma vez por todas, com a ideia de que sou um ser humano excepcional”, escreveu ele em 1853, quando tinha 25 anos, ressaltando que “Eu não encontrei um homem que é moralmente tão bom como eu sou ou pronto para sacrificar tudo por seu ideal como eu.”

Mas, modéstia à parte, sete anos antes de fazer essa declaração, ele já havia imaginado para si uma vida de virtude e de trabalho. Colocou por escrito o que chamou de “Regras de vida” – talvez um prenúncio de sua busca por uma vida sem a crença numa entidade superior. O site “Tolstoy Therapy” postou uma seleção dessas regras que ordenou da seguinte maneira:

- Acordar às cinco horas
- Ir para a cama o mais tardar dez horas
- Duas horas permitidas para dormir durante o dia
- Comer moderadamente
- Evitar alimentos doces
- Caminhar por uma hora todos os dias
- Visitar um bordel só duas vezes por mês
- Amar aqueles a quem eu poderia servi-los
- Desconsiderar toda opinião pública não baseada na razão
- Fazer apenas uma coisa de cada vez
- Proibir voos de imaginação, a menos que sejam necessários

A esta lista de preceitos elaborada no início de sua vida adulta, a maioria dos quais não parecem fora de lugar como qualquer uma das novas resoluções de ano do nosso século XXI, Tolstói mais acrescentou estes:

- Nunca mostrar emoção
- Parar de se preocupar com a opinião de mim mesmo dada por outras pessoas
- Fazer coisas boas
- Manter-se afastado das mulheres
- Reprimir o desejo por trabalhar arduamente
- Ajudar aos menos afortunados

Bem, ainda que não tenhamos lido nenhum dos dois calhamaços biográficos que citamos no início desta matéria, poderá sentir a partir de alguns desses princípios sinais gerais de uma batalha pessoal contra determinados impulsos: observe, por exemplo, a imposição do limite de ir só duas vezes ao bordel e depois o rigor de se manter afastado das mulheres e alcançarão a compreensão sobre o efeito garanhão do escritor. E, talvez, a repressão que nunca terá alcançado cumprir foi a de não trabalhar duro, afinal, como alguém não trabalhe duro para deixar escrito o que escreveu. Só Guerra e Paz e Anna Kariênina são exemplos de obras de uma vida; e Tolstói foi bem mais que esses dois romances.

Mais tarde, às “Regras da vida” acrescentou algumas “Regras de escrita”, lembra o biógrafo Henri Troyat:

- Ao criticar o seu trabalho sempre se colocar na posição do leitor mais limitado que está olhando apenas para o entretenimento num livro
- Os livros mais interessantes são aqueles em que o autor pretende esconder sua própria opinião e ainda continua a ser fiel a ela.
- Ao reler e revisar, não pensar sobre o que deve ser acrescentado (não importa o quão admirável são os pensamentos que lhe vêm à mente) mas sobre o quanto pode ser tirado sem distorcer o sentido geral.

Talvez a vida do escritor implicitamente acrescente uma ressalva sobre todas as regras cada vez mais rígidas que ele fez para si: ninguém é perfeito. 


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