A necessidade de ficção

Por Pedro Fernandes



Eis que chega ao fim o seriado que parecia não ter fim nunca. E deve chegar com um fim ad infinitum. Não deverá agradar, certamente, a gregos e troianos. A quem conseguiu atravessar a jornada há de ficar um rombo na agenda possível de ser substituído por outro que vier: os estúdios estadunidenses despertaram há um tempo para esse filão dos seriados e devem fazer disso o negócio da china em narrativa para a tela.

Como foi que comecei a ver Lost não me lembro. Nem o porquê. Talvez eu tenha sido influenciado pelos amigos da faculdade que já ficavam horas no computador esperando disponibilizarem na web os episódios e fazer o download. Ao menos foi assim que consegui me embrenhar nesse complexo quebra-cabeças muito antes da estreia na TV aberta. 

Nesse ritmo assisti ainda, por completo, as quatro primeiras temporadas. Os atropelos do tempo, no entanto, fizeram com que tivesse de deixar o restante do material lançado para outro momento, este que ainda não chegou e nem sei se há de chegar uma vez mais. Mas, as quatro primeiras partes do seriado foram o bastante para me seduzir, seja pelo seu modo narrativo, seja pelo conteúdo totalmente vazado pelo oposto das obviedades. Era-me como uma espécie de jogo de montar: para alguns fatos haviam explicações claras na cena seguinte, outros iam ficando no meio do caminho para serem retomados capítulos depois e ainda outros que iam se perdendo pelos rastros labirínticos do tecido ficcional e, em conversa com amigos, sei de muita coisa ter chegado ao limite do inexplicável. Não sei se esse era o efeito esperado pelos diretores, mas brincaram muito com as maneiras de arquitetar a narrativa e acabaram enredados no próprio labirinto.

Ao meu ver Lost reintroduz novas forças ao terreno da ficção televisiva e remodela o ato de ser telespectador. Diferentemente da triste febre dos reality shows que vão tapando a já consciência tapada do telespectador, o seriado brinca com as linhas de raciocínio e num jogo de esconde-mostra traz os indivíduos para dentro da TV a fim de que pensem junto com seus criadores a solução/desfecho para as armadilhas que criadas na trama. Isto é, os telespectadores de Lost não são meramente zumbis perante a TV, mas dialogam diretamente com a feitura da narrativa.

Talvez essa capacidade no feitio da série é o que justifica a retomada de interesse do público por outros seriados. E tais seriados parecem se consolidar como algo que não seja meramente moda ou fogo de palha de uma época. Há evidentemente altas e baixas, mas também há algo de perene no seu formato, já que, agora, fogem da esfera da TV e estão em circulação por toda parte - ganham status  de livro vivo nas caixas de DVDs, nas telas dos multimídias, ou mesmo nas edições impressas (escritas) como no caso de Lost. De modo que, o  seriado parece ter laços de equivalência ao romance. E tudo só reforça a necessidade humana por histórias e por ficção a fim iluminar sua existência.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Boletim Letras 360º #576

O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk

Boletim Letras 360º #575

Boletim Letras 360º #570

Boletim Letras 360º #574

Dalton por Dalton