Miacontear - A despedideira

Por Pedro Fernandes



“A despedideira” é sim um conto de despedida. Como narrador, novamente temos a voz de uma mulher. Esta não está para narrar sua submissão a uma rotina por um homem (como se lê em “O cesto”), nem está para narrar algum homicídio (“Meia culpa, meia própria culpa”), o que esta mulher se põe a contar é o início e o desfecho de um amor.

A ideia de submissão, entretanto, é a mesma, ainda que esta, agora, não padeça fisicamente, nos gestos e na fisionomia, de atitudes de machismo sobre ela, como é visível, por exemplo, nas mulheres dos dois outros contos antes referidos. Mesmo que o seu desejo seja de um homem ao seu lado - “nuvem”, “homem em breves doses”, “e, vez enquando, seja mulher, tanto quanto ela”; e mesmo que ela tenha conseguido esse homem, que é este amor que agora é conta perdido, é latente a submissão psicológica a ele construída por um muro de lembranças que é o próprio muro que sustenta sua subjetividade.

“Deixem-me agora evocar, aos golpes de lembrança. Enquanto espero que ele volte, de novo, a este pátio. Recordar tudo, de uma só vez, me dá sofrimento. Por isso, vou lembrando aos poucos. Me debruço na varanda e a altura me tonteia. Quase vou na vertigem. Sabem o que descobri? Que minha alma é feita de água. Não posso me debruçar tanto. Senão me entorno e ainda morro vazia, sem gota.

Porque eu não sou por mim. Existo reflectida, ardível em paixão. Como a lua: o que brilho é por luz de outro. A luz desse amante, luz dançando na água. Mesmo que surja assim, agora, distante e fria. Cinza de um cigarro nunca fumado.” (p.53).

Até agora, parece que as missangas desse livro são mulheres. E o tema é o de sempre: os variados tipos e possibilidades de opressão. É um ganho para o leitor esse delicado catálogo de dores, mas é também uma pena, se nos fixarmos na repetição (por vezes enfadonha) do mesmo tema. Sigamos. 

Ligações a esta post
>>> Acompanhe aqui a leitura dos contos de O fio das missangas.


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