Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha



Diagnóstico da condição brasileira sob a forma de ópera, filme é assinado por um dos maiores nomes da produção nacional

Glauber Rocha possivelmente o mais genial cineasta nacional, já vinha de um curta memorável, O pátio (1959), e de um primeiro longa mítico, Barravento (1962), quando rondou este que é considerado por muitos o maior filme brasileiro já feito. Na verdade, algumas raras vezes ultrapassado por Limite (1930), de Mário Peixoto, e por outro do mesmo diretor baiano, a obra-prima Terra em Transe (1967). Mas Deus e o Diabo na Terra do Sol pisa em terreno sagrado do cinema nacional, que é o nordeste brasileiro, espaço simbólico que representa a realidade do país, suas origens e marginalidade em contraste com os grandes centros urbanos. Nos anos 60, com a efervescência do debate político, às vésperas do golpe militar de abril de 1964, o longa ganha importância suprema.

Glauber, diferentemente do que se via nos documentários e do que outros cineastas fizeram nos anos 1990, não glamouriza a região, tampouco enxerga seus habitantes como coitadinhos. A luta de Manoel (Geraldo Del Rey), boiadeiro que se rebela contra a exploração do seu cruel patrão e parte, com sua mulher, Rosa (Yoná Magalhães), à procura de um novo líder, é complexa, insolúvel, cheia de escorregões e acertos. Ele seguirá primeiramente um líder religioso, Sebastião (Lídio Silva), que prega o olhar para Deus e a renúncia aos bens materiais. Depois, engajam-se na luta armada de Corisco (Othon Bastos), líder por um bando sanguinário e consciente de que o projeto político caiu por terra. Em meio a tudo isso, encontra-se o mais esclarecido de todos, o mercenário Antônio das Mortes (Maurício do Valle).

Antes de lançar seu manifesto A Estética da Fome, em 1965, no qual elaborou um estilo e meios de produção que dessem conta das condições materiais precárias do Terceiro Mundo, Glauber já colocou em prática aqui alguns desses procedimentos. Seu programa pretendia captar a urgência do real e, ao mesmo tempo, deixar evidente seu caráter de encenação, de representação e de metáfora. Em Deus e o Diabo, o resultado é uma visão crítica do país traduzida num faroeste encenado como ópera musicada com cordel (escrita pelo cineasta e cantado por Sérgio Ricardo). O diretor também usa as Bachianas n.5, de Heitor Villa-Lobos, como trilha da sequência que ficou célebre, em que Corisco e Rosa se beijam e a câmera gira e torno do casal.

* Revista Bravo!, 2007, p. 61.

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