Correspondência inédita de Proust revela suas aventuras num bordel francês

O adolescente Marcel Proust. Aqui tem perto de 16 anos, quando teve um certo probleminha e foi confessar-se ao avô.

“Pode-se dizer qualquer coisa, desde que não se diga eu.” Marcel Proust escreveu estas palavras ao seu colega das letras, o francês André Gide, e elas constituem num conselho valioso para qualquer romancista, bem como uma chave de leitura útil para a compreensão de sua própria obra. Sabemos que Proust é hoje ainda o mais importante nome da literatura ocidental moderna, o melhor autor de sempre depois de sua catedral literária Em busca do tempo perdido.

A esses epítetos de melhor, que quase o colocam num altar, sacralizado, também não somos hipócritas e achamos que Proust é o mais importante romancista gay – sem querer inserir o autor num clube rosa, evidentemente. O epíteto final é dádiva do próprio Gide, quem revelou a homossexualidade de Proust sempre enrustida. Foi Gide quem colocou os leitores diante das correspondências do autor publicadas logo após sua morte.

Desde a revelação dessas cartas, a sexualidade ganha a robustez de um elemento até importante para a crítica leitora da obra proustiana. E de cartas como a que falaremos neste texto, terão os estudiosos campo fértil – ao menos aqueles interessados em examinar os pormenores biográficos do escritor.

A carta acima revelada pelo Letters of note é o exemplo de uma obsessão que pode afligir qualquer adolescente; mais ainda se o adolescente pertence a uma sociedade cuja obsessão é caso de saúde pública e em torno dela se desenvolve todo um ritual de práticas a fim de expurgar do corpo a ideia do sujo e do pornográfico. Trata-se da masturbação – caso regrado à base de muitas crendices e às vezes regido por cartilha de educação do corpo.

O caso de Proust é ainda um agravante maior porque, se isso viesse à tona do ambiente familiar, esbarraria na reputação do próprio pai, um higienista que como muitos de seu tempo acreditavam que masturbar-se poderia levar o indivíduo à homossexualidade. Por isso devia ser rigidamente combatida. Uma das formas de combate: levar o adolescente às putas para desopilar com elas.



E Proust recebe dez francos para ir às escondidas num bordel no bairro onde morava para, em tese, expurgar a vício da homossexualidade e, enfim, pôr-se em linha reta, mantendo o nome e a honra da família. Tinha, então, dezesseis anos. E é o resultado dessa cura o que, o ainda não escritor decifra na carta acima, redigida para o seu avô:


18 de maio de 1888

Quinta-feira

Meu querido avô,

Eu apelo à sua bondade, o valor de 13 francos, queria apelar ao Sr. Nathan, mas eu peço de você. Aqui o está o porquê. Que eu precisava para ver se uma mulher podia resolver meu hábito terrível que é a masturbação. Papa deu-me 10 francos para eu ir a um bordel. Mas, antes, na minha agitação, quebrei um penico: 3 francos. Depois, mesmo agitado, eu fui um incapaz. E aqui estou eu, de volta à estaca zero, esperando como as horas passam por 10 francos para me aliviar e mais 3 francos para o recipiente. Mas eu não me atrevo a pedir ao Papa mais dinheiro tão cedo e por isso que eu esperava que você poderia vir em meu auxílio numa circunstância que, como você vê, não é apenas excepcional, mas também única. Isso não pode acontecer duas vezes na vida de uma pessoa que está muito nervosa. Eu te beijo mil vezes e me atrevo a agradecer antecipadamente. Vou estar em casa amanhã de manhã, às 11h. Se você se sentir comovido pela minha situação e puder responder aos meus rogos, eu o espero encontrá-lo com esse dinheiro. De qualquer maneira, obrigado por sua decisão, que sei que vai de um lugar de amizade. Marcel. (*)


Só nos resta agradecer aos do site Letters of note por nos ter colocado diante dessa raridade íntima do escritor francês.


(*) A tradução é livre, feita a partir do original em inglês oferecido pelo site Letters of note.


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