Augusto Cury. O segredo. Sobre a fenomenologia nova na literatura (parte II)

Por Pedro Fernandes



Em janeiro de 2007* eu falava aqui nesse espaço acerca de três escritores em moda no cenário literário - Dan Brown, J. K. Rowling e Paulo Coelho. Pois bem, volto ao subtítulo dado ao artigo desta época - "Sobre a fenomenologia nova na literatura". Agora, para analisar outra vertente literária que cada dia mais cresce no mercado editorial: a literatura de auto-ajuda, sob o prisma de dois outros fenômenos literários, o brasileiro Augusto Cury e o livro "The Secret" ("O Segredo"). Há, é bem verdade, uma lista de outros nomes ajustáveis nessa lista. Mas fiquemos com os dois, porque são antes de mais nada o sucesso de vendas, verdadeiros Best-Sellers, do momento.

O fenômeno advém de uma necessidade desvairada que tomou conta do espírito dos Ocidentais e que tem raízes mais profundas do que possamos imaginar. Estamos numa sociedade que inventou um modelo de vida que, pelo que vemos, não tem em nada dado certo. Afastamos de nós a morte e criamos a salvação e a vida eterna como refúgio. Em contrapartida inventamos o pecado a título de dificultar ainda essa passagem do mundo que vivemos para um suposto mundo celeste. Criamos uma estrutura individualizada de viver que fere as próprias leis naturais, em que o reconhecimento vem somente a partir do sucesso. Criamos a competitividade no intuito de tornar mais acirrada as leis da atomização humana. Nisso, cito Edgar Morin, perdemos a idéia de poder pelo poder, da conquista pela conquista e tudo o que fazemos passou a ser restrito e regido por uma consciência dos limites.

Tudo isso nos fez chegar a um lugar - o tão sonhado topo de tudo. Aqui estamos no que se chama o vazio, uma espécie de nada absoluto; encontramo-nos perdidos, essa é a verdade - sem rumo, sem destino. Encontramo-nos no que podemos chamar de desatino. Cito Morin, na sua obra "Amor - Poesia - Sabedoria": "encontramo-nos numa época de transição e de tomada de consciência pela falta". Essa falta traduz na necessidade pelo Oriente. Uma necessidade resultada, principalmente, da criação desse modo de vida atomizado, que apesar de ter nos dado uma liberdade sem limites, uma autonomia sem limites, trouxe-nos uma angústia, um medo, uma solidão.

O recurso do qual se beneficia essa literatura reside numa necessidade, que é o de servir de acalanto às reclamações das conturbadas relações entre espírito e mente ou de refúgio - semelhante ao refúgio que dá a crença cristã na vida eterna - aos corpos em permanente atrito entre o si e o espaço onde habita ou ainda uma espécie de carinho, abraço ou consolo - os gestos mais rejeitados na sociedade contemporânea; isto é, ela busca subsídios no mundo dos misticismos ou das crenças orientais no intuito de dar respostas ao que achamos não ter respostas para dar.

Logo, a meu ver a literatura de auto-ajuda funciona como um plágio barato dos recursos das culturas milenares ou mesmo degradação delas, uma espécie de ocidentalização do Oriente. São fórmulas vagas que nada de novo nos têm a dizer. Isso porque já temos uma resposta formulada a dar a nós mesmos diante de determinadas situações. Só não havemos de perceber. E lemos os livros de auto-ajuda ao deleite porque a vida corrida que levamos nos impede de enxergar o óbvio. Optaria então pelo substantivo "degradação", que é o que todo plágio faz, porque as fórmulas que esses livros apresentam reduzem-se a basicamente duas coisas que têm regido o mundo Ocidental: a cronometragem e o capital. Recordo muito bem alguns trechos do "The Secret" em que a fama e o sucesso resumidos tudo isso no dinheiro, vem de um tempo determinado: o mais breve possível.

Noutra vertente, a literatura de auto-ajuda apresenta-se como uma espécie de substituta aos preceitos cristãos cujos dogmas das Igrejas tem feito com que a humanidade deles se afaste a cada dia. Finalmente o que poderemos aprender através deles, os livros de auto-ajuda? Nada. Do mesmo modo que a experiência cristã não tem surtido tanto efeito na humanidade, que por esse discurso da crença numa vida eterna como espécie de vitória sobre a morte, por exemplo, só tem levado ela a se frustrar ainda mais por não conseguir uma aquiescência do nada, as fórmulas baratas que os livros de auto-ajuda oferecem só têm a aumentar ainda mais a angústia e o distanciamento em relação a nós mesmos. Noutras palavras o que essa fenomenologia nova nos tem a trazer permanece no vão da impossibilidade que perdermos, se é que um dia tivemos, de enxergar o colapso de nossa civilização, perdurando a idéia de compreensão perante o caos que estamos inseridos, tratando-se dum esforço do interesse pela mentira para si próprio.


* A data se refere não ao tempo de publicação aqui no Letras in.verso e re.verso, mas de quando foi publicado no Jornal Correio da Tarde, primeira mídia onde foi publicado. 

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