Anjos e demônios

Por Pedro Fernandes

cena do filme Anjos e demônios.


Apesar do título que dou a este texto não é da obra homônima de Dan Brown que irei falar, tampouco da tradução que esta teve para as telas da sétima arte. Irei falar é de um artigo que li no jornal Correio da Tarde publicado recentemente que emendava ao título Anjos e demônios, "mera ficção!". É, pois, um um diálogo para com aquele texto e aparece aqui porque foi inviável através da coluna do jornal, o espaço que seria ideal; entretanto, todos nós sabemos das limitações que existem em cada mídia, disso, já nos falava Pierre Bourdieu na sua magnífica conferência "Sobre a televisão", no Collège de France.

Pois bem, alguns pontos no referido artigo me inquietaram: um deles foi os elogios dados ao livro, ao escritor e à produção cinematográfica. Não concordo com nenhum deles: o livro não é lá essas coisas, é mero transplante de um molde de vender que deu certo com O código Da Vinci; o escritor, também não, principalmente, porque se deixou seduzir pelo poder vazio do dinheiro, que sempre vem com seu vozerio para o lado de qualquer artista e aqueles, como Dan Brown, quando dão muito ouvidos a ele, acabam se perdendo no meio do caminho; e o filme não tenho direito de opinar, não o vi, calo-me, (é preferível falar do que se conhece) mas se for igual àquela versão produzida a partir do primeiro romance de Brown será mero exemplo do lixo cinematográfico.

Outro ponto, e esse é o que me inquieta ao ponto de redigir essa nota, é a preocupação do autor para com o impacto, digamos assim, que a obra cinematográfica venha causar naqueles que não possuem, nos dizeres dele, base sólida para encarar o filme como mera ficção. É intrigante que em plena era da informação, da virtualização, alguém ainda não consiga distinguir ficção de realidade (e nem quero entrar no mérito de discutir as fronteiras entre um mundo e outro). Que qualquer pessoa que  assistindo duas vezes uma peça de teatro, um filme, lendo um romance ou vendo uma telenovela dessas que entra todas as noites em nossas casas deixe se levar pelas tramas da ficção ao ponto de sair atirando nos vilões que vira e mexe estão aprontando das suas parece-me deveras inverossímil até mesmo se uma parte numa obra ficcional. Sinceramente, é fogo de palha um argumento desses, sobretudo, quando estamos anestesiados por uma realidade duplamente mais cruel do que qualquer ficção.

O que esses dizeres, de um padre (sublinho), me reforça é uma censura indireta principalmente ao leitor médio (aquele que é mais apegado às páginas do jornal e à igreja) para debandar de qualquer assunto que envolva o "santo nome de Deus em vão". De algum tempo para cá percebo que a igreja respira um medo pela debanda geral dos seus fiéis, fato que, aliás, é já coisa comum; as celebrações estão cada vez mais vazias e é preferível mesmo ficar em casa ainda que lendo Dan Brown ou ir ao cinema ver Anjos e demônios que ir ouvir textos de natureza ainda mais baixa que este publicado no Correio da Tarde. Isso é o que precisa ser dito a todos os que ainda não perceberam que toda a santidade do catolicismo é fajuta, e os seguidores dela, no sentido estrito do termo, zelam por essa moral. O que a igreja deveria responder era por quanto tempo vão eles empurrando sujeira para debaixo do seu tapete milenar.


Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #609

A ópera da Terra ou a linguagem de Gaia: Krakatoa, de Veronica Stigger

Boletim Letras 360º #600

É a Ales, de Jon Fosse

Boletim Letras 360º #599