Carlos Nejar, o servo da palavra

Por Neiva Dutra



11 de janeiro marca a data do aniversário de um dos maiores poetas da atualidade: o gaúcho Carlos Nejar. Apesar de não ter a merecida divulgação, sua poesia, que surgiu nos anos sessenta com o título Sélesis, produz uma sucessão de obras que compõem um universo de coesão, no qual se amplia um círculo que retrata a necessidade humana de explorar o sentido do enigma de seu estar no mundo, da morte como ordenação da vida e da transcendência.

A definição da obra de Carlos Nejar é dada por ele próprio no prólogo do livro A idade da aurora. É uma definição que se encaixa para toda a sua poesia quando, parafraseando Walt Whitman, afirma: “Isto não é um livro. Quem o toca, está tocando a aurora”.

Carlos Nejar é o nome literário de Luiz Carlos Verzoni; nasceu em Porto Alegre, em 1939. Formado em Direito, viajou como promotor de justiça pelo interior do Rio Grande do Sul e conheceu, palmo a palmo, o pampa que "avulta na sua visão poética”. 

Testemunha de seu tempo e de seu povo, Nejar – tal como Drummond (inconfundivelmente mineiro) e João Cabral de Melo Neto (inconfundivelmente nordestino) – “preocupa-se basicamente, com a poesia do homem pelo homem". (Giovanni Pontiero, Universidade de Manchester). Defende uma nova épica na poesia contemporânea. Sua obra é traduzida para várias línguas e há muito estudada nas universidades do Brasil e exterior.

É destacado pelo crítico suíço Gustav Siebenmann, em seu livro Poesia y Poéticas del Siglo XX en la América Hispana y el Brasil (Ed. Gredos, Biblioteca Românica Hispânica, Madri, 1997), entre os 37 escritores-chave do século, escolhidos entre 300 autores memoráveis, no período compreendido entre 1890-1990. Mereceu, em 1979, uma das definições mais contundentes sobre sua obra, elaborada pelo escritor e poeta português Antônio Osório:

[...] o segredo de Nejar é o duma obra a um tempo clássica e moderna. Clássica, pelo que traduz de adesão à vida, prevalência sobre o egotismo da realidade humana, suas grandezas e tormentos e, ainda, pelo modo de conceber como um todo orgânico a arte incrivelmente difícil dos versos; moderna, pela livre radicação no tempo, mestria e arrojo verbal, ponto de retórica, de modo pungente, tenso, dramático. O pathos, como escreveu sobre ele Cassiano Ricardo, dum homem sem lágrimas, e, no entanto, próximo, solidário e fraterno como poucos.

Atualmente, procurador de justiça aposentado e membro da Academia Brasileira de Letras desde 1988, vive no seu Paiol da Aurora, diante do mar de Santa Mônica, em Guarapari, no Espírito Santo.

Morei, morrido
                            em mim.
Mas não no que eu amei.

Meu coração por Alva,
tartamudeia,
                     escava.

                     O poderio
da água, do ar e fogo
 – é o íntimo
país.

Viver: voar no todo.

(“João Serafim e Alva”, In A idade da aurora, Massao Ohno Editor, 1990, p. 200)

***

Neiva Dutra é licenciada em Letras / Língua e Literaturas de Língua Portuguesa, profissional em revisão de textos e copydesker, autora do blog De Anima Verbum, leitora voraz, apaixonada pela arte e a cultura em todas as suas manifestações e em toda sua profundidade.

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

Boletim Letras 360º #604

Cinco coisas que você precisa saber sobre Cem anos de solidão

A vegetariana, de Han Kang

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

Boletim Letras 360º #597

Seis poemas de Rabindranath Tagore