A vida de um homem comum

Por Ernesto Diezmartínez 




Desde os primeiros minutos de Train Dreams (Estados Unidos, 2025), a narração rouca de Will Patton deixa claro que nosso silencioso protagonista, Robert Grainier (Joel Edgerton), terá uma longa vida, que veremos condensada nos 102 minutos do segundo longa-metragem de Clint Bentley (sua notável estreia foi com Jockey, de 2021).

Conhecemos Grainier aos seis ou sete anos de idade, viajando de trem para Fry, uma pequena cidade em Idaho, no final do século XIX. Não sabemos o que aconteceu com seus pais, e ele também não. A narrativa crua e onisciente nos informa o essencial: órfão desde jovem e criado por parentes naquele canto remoto do noroeste americano, Grainier entra em contato precocemente com a violência mais brutal — ele é testemunha silenciosa da deportação cruel de dezenas de trabalhadores chineses — e até mesmo com a inevitabilidade da morte — ele dá água a um pobre coitado anônimo (Clifton Collins Jr. em uma participação especial), agonizando na floresta — até começar a trabalhar do amanhecer ao anoitecer para uma companhia ferroviária que está construindo novos trilhos por aquele vasto território ainda virgem. Em um desses dias, Grainier testemunha, e até se torna cúmplice, mais ou menos ativo/passivo, de mais uma injustiça: o sacrifício de um trabalhador chinês (Alfred Hsing), que é atirado de uma ponte recém-construída. Embora Grainier pergunte repetidamente o que fez ou por que estão fazendo isso com ele, ninguém responde. Talvez porque ninguém saiba e ninguém se importe.

O roteiro, escrito pelo próprio diretor em colaboração com o cineasta Greg Kwedar (diretor do excelente drama carcerário indicado ao Oscar, Sing Sing, 2023), é baseado no romance homônimo, Train Dreams (2012), de Denis Jonson (1949-2017), um livro curto que pode ser devorado de uma só vez, não apenas por sua brevidade, mas porque é impossível abandoná-lo depois de começar a lê-lo. Somos apresentados a uma prosa simples, porém altamente evocativa, uma digna herdeira, estilisticamente falando, de Hemingway, enquanto, tematicamente, Jonson explora com serenidade poética, desprovida de qualquer sentimentalismo, toda a vida de uma pessoa comum, não no momento de sua partida, como na obra-prima de Tolstói, A morte de Ivan Ilitch (1886), mas sim ao longo de toda a sua existência, somando cada fragmento significativo, desde suas primeiras lembranças — aquela viagem de trem da infância para sua nova família — até seus pensamentos finais, que nunca foram compartilhados com ninguém.

A adaptação de Bentley e Kwedar, em geral fiel ao romance, destaca-se visualmente pela sua cinematografia refinada. Refiro-me à cativante fotografia de paisagem de Adolpho Veloso, que também explora e aproveita perfeitamente o rosto estoico de Joel Edgerton em primeiro plano, os close-ups das mãos calejadas dos personagens e a proporção de tela acadêmica 4:3, perfeita para enquadrar os ferroviários ou os lenhadores robustos enquanto descansam ao redor da fogueira todas as noites. Por sua vez, a montagem de Parker Laramie, embora ilustre algumas digressões líricas do narrador em voz off — os sonhos de Grainier que se misturam com suas alucinações e até mesmo com suas memórias — é dominada por um impulso narrativo direto e funcional, como se Bentley e seu montador estivessem buscando uma tradução cinematográfica da prosa simples de Jonson. Assim, por exemplo, se Grainier é assombrado pela memória daquele trabalhador chinês banalmente assassinado pelos ferroviários, a presença do personagem se apresentará em um corte simples e direto, bem ao lado do nosso protagonista.

Cada episódio da longa vida de Grainier — feliz, infeliz, traumático ou até extraordinário, pelo menos para ele — é ligado por essa mesma tranquilidade estilística. Até mesmo os ocasionais momentos de humor, com um velho tagarela interpretado por um irreconhecível William H. Macy, são tratados com simplicidade exemplar: um plano geral em que Arn Peeples, personagem de Macy, está sentado comendo uma maçã no centro do enquadramento, discursando sobre como o trabalho é árduo, enquanto vemos todos os lenhadores se matando de trabalhar ao seu redor. O mesmo ocorre nos momentos inesperados de violência, como o fim abrupto de outro trabalhador, conhecido como Pastor Frank (Paul Schneider), quando ele se vê confrontado com seu passado, também em um plano geral impactante, para o espanto de todos os outros trabalhadores.

Grainier criou um sereno filme épico, se me permitem o paradoxo, no qual acompanhamos do início ao fim a vida de um homem comum, que atravessa séculos tentando compreender a própria vida e seu significado, enquanto tudo ao seu redor se transforma por causa do seu trabalho, o seu e o de muitos outros, seja derrubando árvores centenárias ou dinamitando montanhas para deixar passar a estrada de ferro. Trata-se de uma vida como qualquer outra, mas, também, única e irrepetível, com seus momentos de felicidade absoluta e de tragédia inevitável. Mas é assim: só é possível viver impulsionado para frente, por mais que seja impossível deixar para trás o que se viveu.

O epitáfio de Grainier, narrador em off e pinçado dos últimos parágrafos do romance de Jonson (“Nunca comprou uma arma de fogo, nunca falou ao telefone, nunca soube daqueles que foram seus pais, não deixou herdeiros”) me remeteu logo a Antonio Machado, como se esse modesto trabalhador, nascido em algum lugar do noroeste estadunidense, tivesse sido imaginado pelo poeta espanhol: “São boas gentes que vivem/ trabalham, passam e sonham/ e num dia como tantos outros/ descansam sob a terra”. Quem mereceria ser descrito dessa maneira? 


* Este texto é a tradução livre de “La vida de un hombre cualqueira”, publicado aqui, em Letras Libres.

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