Yves Bonnefoy

Por Álex Vicente



Yves Bonnefoy terminou baixando a cabeça para essa “morte que diz não a toda metáfora”, como escreveu num de seus versos mais enigmáticos. O grande poeta francês, além de ensaísta e crítico de arte, professor universitário, tradutor de William Shakespeare e eterno candidato ao Prêmio Nobel de Literatura, morreu em Paris aos 93 anos no dia 1º de julho de 2016. Ficou para trás uma vida dedicada à linguagem poética que considerava um instrumento com o qual buscava iluminar a penumbra. Para Bonnefoy, a poesia era uma forma de “libertar as relações entre os homens dos prejuízos, ideologias e ilusões que os empobrecem”.

Autor de um conjunto de obras traduzidas para trinta línguas, Bonnefoy propôs uma poesia ligada à realidade, que desconfiava de abstrações, conceitualismos e dogmas que havia visto fracassar. Temia pela desaparição de uma arte que considerava inerente à experiência de existir e acreditava que, se acontecesse, a própria sociedade sucumbiria. Temia pelo fim da poesia porque ele era sinônimo do fim do mundo. “A poesia faz com que passemos do espírito da possessão, impulsionador de equívocos e da guerra, ao desejo de participação simples e direta no mundo”, explicava. Bonnefoy se debatia entre o materialismo mais prosaico e “a preocupação inata pela transcendência”. Não tinha rejeição pelo lirismo, embora nunca por mero exibicionismo, e perseguiu um alumbramento metafísico a partir do meio natural, onipresente em seus versos. “Amo a terra, o que vejo me emociona”.

Bonnefoy nasceu em Tours em 1923 no interior de uma família modesta formada por um pai operário no setor ferroviário e uma professora de ensino básico. Depois de iniciar seus estudos em Poitiers, mudou-se para Paris em 1943 para se inscrever na Sorbonne. Instalou-se num pequeno apartamento da rive gauche e passou noites inteiras lendo Paul Éluard, Tristan Tzara, Antonin Artaud. Não tardou em aproximar-se do círculo de André Breton e os surrealistas tardios, onde se encontrava o belga Christian Dotremont, célebre por seus hologramas e mais tarde fundou o grupo Cobra. Bonnefoy compartilhava com os surrealistas seu apego “por intensificar a consciência e a palavra” a partir da linguagem poética. Mas sua poesia se inspirava no mundo sensível e diferia da inclinação surrealista pelo sonho, porta de acesso a dimensões paralelas. Por esse motivo, rompeu com o movimento em 1947, embora nunca negou a profunda influência que teve em sua obra.



Meia década mais tarde, Bonnefoy tinha finalizado sua primeira antologia, Do movimento e imobilidade de Douve (1953), a que se seguiram Pedra escrita (1965) e O território interior (1971), mescla de texto autobiográfico e ensaio sobre o Quattrocento italiano. “Frequentemente um sentimento de inquietude me invade ante as encruzilhadas. Parece-me que nesses momentos, que nesse lugar ou quase: aí, a dois passos sobre o caminho que não tomei ... se abre um país de uma essência mais elevada, onde poderia viver e que agora já perdi” – escreveu nesse livro.
Não por acaso, Bonnefoy encontrava na dúvida de Hamlet o fundamento da modernidade. E sentia ressoar em sua cabeça a máxima de seu admirado Rimbaud sobre a insatisfação crônica de tantos mortais: “A vida está noutra parte”.

Outras de suas obras de destaque são Contos em sonhos (1977), Início e fim da neve (1991), A chuva de verão (1999) e As tábuas curvas (2001). Em sua trajetória poética, sobressaem duas certezas existenciais: a morte e a imperfeição. “Amar a perfeição porque essa é o limiar, / E negá-la tão logo se conhece, esquecer a sua morte, / A imperfeição é a maior”, deixou escrito num de seus poemas de 1958.

No seu pequeno escritório, situado em Montmartre, Bonnefoy também trabalhou em seus ensaios sobre a história da arte. Escreveu sobre a arte gótica e barroca, além de assinar obras sobre Goya, Picasso, Mondrian, Giacometti, Balthus e Miró. Outra de suas atividades principais foi a tradução, que equiparava a poesia por basear-se numa transformação da linguagem. Traduziu para o francês uma diversidade de obras de Shakespeare e se aprofundou em aspectos ignorados na leitura do seu teatro, como a representação da mulher a partir das personagens femininas. Fez o mesmo com Keats, Yeats, Petrarca e Leopardi.




Apesar de o Nobel não lhe chegar às mãos, Bonnefoy recebeu outra diversidade de prêmios tão prestigiosos quanto, como o Grande Prêmio de Poesia da Academia Francesa em 1981 ou Goncourt de Poesia em 1987; também obteve o Prêmio da Feira de Guadalajara em 2013. “Os poemas têm significado. Quando se lê um é preciso perguntar à própria experiência, à memória. E a partir daí buscar a interpretação”, disse no seu discurso. Desde 1981, Bonnefoy era professor no Collège de France e ministrou aulas em numerosas universidades da Europa e dos Estados Unidos. Esteve casado com a atriz e escultora estadunidense Lucy Vines, com quem teve uma filha, Mathilde.

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Abaixo, um catálogo com o discurso de Yves Bonnefoy por ocasião da recepção do Prêmio FIL de Literatura e de três poemas do poeta. 


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