Todo o Dom Quixote em apenas 3 segundos

A escultura de quase cinco metros concentra os mais 22 mil
vocábulos recortados de um exemplar do Dom Quixote.


Você é do grupo que nunca teve tempo e nem coragem para ler todo o Dom Quixote? Isso agora não é um problema. Graças às novas tecnologias, somadas com uma boa dose de ironia, é possível escutar a leitura integral da obra mestra de Cervantes em não mais que três segundos. Isso mesmo. Há somente que visitar Erase DE UNA VEZ Don Quijote de La Mancha, uma engenhosa instalação interativa que permite experimentar o clássico da literatura de uma forma que provavelmente haveria encantado ao próprio Cervantes.

A instalação, que é uma engenhosa criação dos artistas Diego Agulló e Jorge Ruiz Abánades, em colaboração com Intact Project, estreou no passado 23 de abril em ocasião do Dia Internacional do Livro e dia da morte do escritor espanhol, no Instituto Cervantes de Berlim. E ficará aí até o dia 10 de maio.

Apesar de ser uma peça realizada graças às novas tecnologias, pode se considerar um trabalho de artesanato que se destaca pela sensibilidade e o impacto visual, desenvolvida com muito carinho. Completamente no escuro,  visitante se acha diante de uma escultura em forma de coluna, de quase cinco metros de altura, que se compõe de todas as palavras do Dom Quixote recortadas do livro e inseridas uma após outra num fio de náilon. O público que visita ao átrio encontra com um exemplar do Quixote intervisto de modo que ao abrir-se se ative uma poderosa sequência de áudio em que se ouvem todas as palavras do texto original ao mesmo tempo, sobrepondo-se em assombrosa cacofonia que não supera os três segundos de duração.  

Evidentemente que se trata de uma peça fundamentalmente irônica e sua alegoria se levanta quase como uma façanha de característica quixotesca. “Segundo podemos comprovar no Instituto Cervantes em Berlim, a primeira e mais óbvia reação dos visitantes é uma riso sincero que mostra nossa profunda simpatia pelo absurdo e o mais reconfortante se deixar voar pela imaginação” – diz Jorge Ruiz Abánades, sublinhando que a instalação surgiu como uma homenagem ao querido protagonista cervantino. “Entre os muitos títulos da literatura universal, sendo todos espanhóis, nos pareceu lógico e natural eleger o Quijote” – continua Jorge.

Tanto a parte escultural como a componente sonora da instalação apontam para o universo quixotesco e como seus criadores explicam, além do entretenimento, a instalação visa despertar a vontade de descobrir a obra mestra de Cervantes através de outras perspectivas. “Evidentemente Erase DE UNA VEZ Don Quijote não pretende substituir a leitura do texto, muito pelo contrário. A instalação mostra de forma tangível que o universo de um livro não está apenas em suas páginas e que os livros são estranhos enigmas somente decifráveis através da leitura” – diz Ruiz Abánades.

“Em primeira instância, a obra se propõe a oferecer uma experiência instantânea de algo que normalmente se deveria experimentar no tempo, como é a leitura de um livro. A narração dos acontecimentos requer o transcorrer do tempo. Sem dúvidas, o livro enquanto objeto material, acabado e íntegro, que repousa em nossa estante, contem em si todos esses acontecimentos. De fato, cabe dizer que existe um ideário coletivo em torno do Quixote, onde todos os sucessos narrados coexistem a uma vez”, explica o artista.

Tecnicamente a peça inclui diversos elementos. A componente sonora foi realizada por Jorge Ruiz Abánades, em seu estúdio em Madrid, com as vozes de muitos amigos e familiares, cerca de 50 pessoas, que participaram na gravação lendo páginas ou capítulos inteiros do livro. Diego Agulló, com ajuda de Agata Siniarska, se encarregou da fabricação da escultura, a partir das 377.032 palavras que compõem o texto original do Quixote. Sem dúvidas se deram conta que recortar papel de todas estas palavras e depois juntá-las era uma loucura, já que a escultura resultante alcançaria os 100m de altura. Finalmente os artistas optaram por separar todas as palavras diferentes, sem repetições, somando um total de 22.939 termos, que se converterem nos quase cinco metros da escultura exposta em Berlim.

A interação entre o livro e a sequência sonora tem sido levada a cabo com a colaboração de Intact Project (Interface para Ação Telecompartida), um projeto de cibercultura entre arte e novas tecnologias, dirigido por Sara Malinarich e Manuel Terán. “A partir de um exemplar do Quixote previamente preparado, se conectou o livro a um hardware e se criou uma programação em software livre, que controla as sequências de áudio e de luz. Quando os visitantes abrem o livro, a dita sequencia se ativa e o Quixote acontece... DE UMA VEZ”, explica Jorge Ruiz Abánades. O artista está convencido de que a ideia se presta a muitas realizações diferentes e não descarta que no futuro o projeto possa evoluir com novas apresentações, novas interfaces e formas de interação com o público. Seu primeiro objetivo é expor também em Espanha, país de Cervantes.

No vídeo abaixo que apresenta o projeto é possível ver a reação das pessoas com a instalação e como ela se processa:





Tradução livre de matéria publicada em El País.

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