Vinte e uma obras recentes do romance francês



Jean Marie-Gustave Le Clézio ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 2008; seis anos depois, um compatriota seu, Patrick Modiano, recebia também o galardão mais importante das letras. A França foi a terra de Stendhal, Balzac, Flaubert e na atualidade continua tendo uma diversidade de romancistas de primeiro nível. Embora nem sempre sejam nossos conhecidos, pela maneira tímida como suas obras circulam por aqui, a lista a seguir chama atenção para o que podemos dizer "estes são nomes do primeiro quartel do século XXI para se ter em conta".

É impossível ficar só num romance de Modiano, mas muitas de suas obsessões estão nas páginas que circulam no Brasil, que, muito recente recebeu duas trilogias do escritor: Para você não se perder no bairro (Ronda da noiteUma rua de Roma, vencedor do prestigioso prêmio Goncourt em 1978, e Dora Bruder) e Essencial (Flores da ruína, Remissão da pena e Primavera de cão).

Algo semelhante acontece com Le Clézio, que nesta lista é apresentado com A quarentena. Mas há outros títulos dele por aqui igualmente interessantes de se ler como Peixe dourado, Diego e Frida, Pawana, Deserto, Refrão da fome e O africano, são alguns. O enfant terrible das letras francesas deste século é Michel Houellebecq, autor de obras como O mapa e o território. Frederic Beigbeder conquistou espaço na literatura com O amor dura três anos (título em tradução livre) e reafirmou esse lugar com a publicação recente de Oona e Salinger; dele, só conhecemos em português até o presente 29,99. Fundamentais nesse grupo são Jean Echenoz (há vários títulos dele no Brasil), Pierre Michon (igualmente) e seu xará Lemaitre.

Se formos visitar as grandes romancistas da história da literatura francesa recente encontraremos uma lista a perder de vista: Annie Ernaux é uma voz fundamental; Delphine de Vignan; Muriel Barbery e seu belíssimo A elegância do ouriço; Yasmina Reza; Leïla Slimani, a primeira autora de origem marroquina a vencer o Goncourt, o mais prestigioso prêmio literário francês e outras mais que o leitor encontra a seguir.

Há ainda outros títulos que gostaríamos de acrescentar à lista, mas que não conseguimos encontrar traduzidos para o português: é o caso da trilogia Vernon Subutex, de Virginie Despentes, autora que faz par com Houellebecq como enfant terrible das letras francesas, uma referência na literatura de corte feminista (pode se ler, no Brasil, o ensaio autobiográfico Teoria King-Kong); Faber, o destruidor (tradução livre), de Tristan Garcia, obra misteriosa e cheia de nuances sobre a juventude e a chegada da idade adulta; o singular romance Uma semana de férias, que trata sobre relações perigosas e de incesto, de Christine Angot, autora que tem, inclusive um livro intitulado Pourquoi le Brésil? (Por que o Brasil?); Como aprendi a ler, de Agnès Desarthe, um relato sobre sua relação com as letras, entre a delicadeza e a ironia da cultura francesa; ou Homens, de Laurent Mauvignier, um romance impressionante sobre a guerra e sobre as grandes sombras de história recente da França, o conflito na Argélia. Entre outros.

Sem mais, vamos à lista. É, como todas as listas apresentadas no blog, uma seleção não hierárquica, livre e aberta. As apresentações das obras são realizadas a partir das sinopses oferecidas pelas editoras. Então, tem espaço na estante?



Limonov, de Emmanuel Carrère
Nesta lista poderia aparecer títulos como Outras vidas que não a minha ou O adversário ou Um romance russo mas eis uma escolha fundada na recorrência. Limonov conta na forma de um romance eletrizante, uma história real – a vida de uma figura polêmica cuja trajetória – de poeta russo a revolucionário, de celebridade a presidiário – acompanha a própria história da Europa no século XX. Emmanuel Carrère parte de fatos reais – a vida de Eduard Limonov, delinquente, escritor, mendigo, mordomo, político radical russo – para construir uma história de não ficção com as bases clássicas do romance, em que acompanhamos a vida e as peripécias de uma personagem marcante, passando por uma série de quedas e apogeus.

O sermão sobre a queda de Roma, de Jérôme Ferrari
Na contramão de tantos heróis romanescos, Matthieu e Libero não querem mais saber de Paris. Amigos desde a infância, os dois renunciam aos estudos de filosofia e às promessas da metrópole para retornar à Córsega e assumir a gerência de um bar. Em pleno verão, não faltam clientes e garotas, a bebida é farta e o negócio prospera. Tudo vai bem nesse que parece ser o melhor dos mundos possíveis, feito à imagem e semelhança de seus jovens demiurgos. E tudo continuaria assim, não fosse a persistência com que O sermão sobre a queda de Roma cuida de demolir toda e qualquer ilusão de seus protagonistas. Num movimento vertiginoso, o romance de Jérôme Ferrari faz do bar dos dois amigos o ponto sobre o qual se abatem os fantasmas do desejo e da história, os próprios e os alheios. Ao fio dos capítulos, vai se armando uma grande coalizão: as pequenas misérias da vida de aldeia juntam-se às grandes catástrofes do século XX, a queda do império francês mistura-se ao fim do poderio romano, a figura de um avô amargurado confunde-se com a de um bispo da Antiguidade. Tudo para pôr fim à utopia erótica e etílica de Matthieu e Libero.

Meninos valentes, de Patrick Modiano
Outros títulos estão ditos na introdução desta lista. A base dessa obra aqui apresentada está nas próprias recordações de adolescência de Modiano. O livro, no entanto, não é uma autobiografia, até porque o escritor nada revela sobre sua própria vida. O que está em foco é o extinto colégio Valvert, apelidado de “O castelo” outrora situado nos arredores de Paris. Misturando ficção a suas memórias, o autor conta, com muito carinho, as histórias de antigos alunos e professores. Embora o tema seja um só, cada capítulo independe dos outros e pode ser lido como um conto isolado. O narrador relembra seus tempos de estudante e faz um inventário do destino de seus ex-colegas de colégio: internos que vinham de todo tipo de família, das mais abastadas às mais suspeitas. Em comum, eles tinham o fato de que nenhum familiar parecia ter muito tempo para se dedicar pessoalmente a sua educação. Quase 20 anos depois da publicação de Meninos valentes, obra original de 1982, Patrick Modiano dedicaria um livro inteiro a Meu TesouroLa Petite Bijou; segundo o autor, as duas obras se complementam.

O mapa e o território, de Michel Houellebecq
A polêmica mais recente do escritor francês foi o romance Submissão, mas o livro aqui indicado continua sendo sua obra-prima. A história da vida do artista plástico Jed Martin é uma perturbadora fábula sobre arte, dinheiro, amor, amizade e morte, em que Houellebecq consegue combinar, com maestria, poesia e violência, desesperança e compaixão. Lançado após um hiato literário de cinco anos, o livro rendeu-lhe o primeiro Goncourt. No entanto, não é um título livre de polêmica: aqui, por utilizar descrições de produtos, lugares e personalidades publicadas originalmente em sites, panfletos e reportagens, o livro incitou uma discussão sobre os limites entre citação e plágio. É um romance repleto de sutileza e fina ironia. Houellebecq delineia, de maneira impiedosa, a sociedade francesa, o mercado de arte e as altas rodas literárias. Mas, apesar da visão pessimista da natureza humana, permanece ao fim da leitura um sentimento de beleza, melancolia e compaixão.

29,99, de Frédéric Beigbeder
O livro é descrito como uma parábola sobre a propaganda, seus súditos e profissionais, entre eles o próprio autor. Octave é um publicitário famoso, com um salário invejável e capaz de atrair ainda mais dinheiro, mulheres e cocaína em quantidades suficientes para torná-lo uma espécie de super-homem. Mas, na verdade, logo o leitor descobre que Octave está mais para morto do que vivo, porque é infeliz, insatisfeito e nem todo o aparente glamour de sua vida o impede de ser um eterno nostálgico, noite e dia suspirando pela mulher que o deixou. Um vivo retrato, vê-se, do homem do nosso tempo, instado entre a aparência e a idealização que o definia no passado.



Uma desolação, de Yasmina Reza
Este é o único romance da escritora francesa publicado no Brasil até meados de 2018. Não foi recebido de maneira positiva pela crítica por aqui e lá fora a obra dela que tem chamado atenção é Felizes os felizes (tradução livre). Mas, Uma desolação pode ser uma maneira livre de entrar no universo romanesco forjado por Yasmina Reza. Aqui, a personagem contempla a própria vida e a velhice em que se encontra, e vê aquela como sucessão de malogros e esta como o campo em que não resta mais nada: olha para o filho e dá com alguém cujo estreito horizonte é afastar o sofrimento e não se fazer notar; olha para si mesma e repassa fracassos, sonhos não realizados, prazeres distantes. Através dessa personagem a autora procura explicar o que é a velhice, último ato de um espetáculo que jamais poderá voltar a ser encenado.

Baseado em fatos reais, de Delphine de Vigan
Esta é uma obra em que o leitor é levado constantemente a questionar o que lhe é apresentado; Delphine de Vigan constrói um clima confessional, sombrio e opressivo para expor a obsessão do mercado editorial e do cinema pelas narrativas baseadas em fatos reais. A linha tênue entre verdade e mentira oscila para enriquecer uma poderosa reflexão sobre o fazer literário e questionar as fronteiras entre aparentes dicotomias, como real e ficção, razão e loucura, público e privado. Após o grande sucesso de seu último livro, em que revelava perturbadores segredos familiares, Delphine se vê diante da temível pergunta: o que vem depois de um texto tão pessoal, que comove tantos leitores? A inércia. O sucesso a fragiliza a tal ponto que a deixa completamente vulnerável. Ela não consegue mais escrever nem uma linha, nem sequer se sentar diante do computador ou segurar uma caneta. Está esgotada, e vive assombrada pela pressão da próxima obra. O romance se faz a partir do bloqueio criativo, do sentimento de impotência e de isolamento permeiam constantemente sua vida.

Até nos vermos lá em cima, de Pierre Lemaitre
Ganhador do Prêmio Goncourt em 2014 e logo tornado fenômeno editorial na França esta história de três ex-combatentes desenha um afresco de uma sociedade decomposta pela barbárie da guerra. Síntese brilhante de gêneros tão diversos como o relato de aventuras, o drama psicológico, a crônica social e o manifesto antibelicista, a narração avança a um ritmo trepidante, com variações para o humor, o ódio e a compaixão. Em novembro de 1918, depois de apenas alguns dias do armistício, o tenente Aulnay-Pradelle ordena uma absurda ofensiva que culminará com os soldados Albert Maillard e Édouard Péricourt gravemente feridos num confuso e dramático incidente que ligará seus destinos inexoravelmente. Édouard, de família abastada e com um talento excepcional para o desenho, sofreu uma horrível mutilação e se nega a se reencontrar com seu pai e sua irmã. Albert, de origem humilde e caráter pusilânime, está disposto ao improvável a fim de compensar a Édouard, a quem lhe deve a vida. E Pradelle, aristocrata, cínico e mulherengo, está obcecado por recuperar seu status social. Quando os três voltam a Paris, se rebelam contra uma realidade que os condenam à miséria e ao esquecimento.

Tigre de papel, de Olivier Rolin
Este é um livro que renova o romance político e conta a história de uma geração com poesia e humor. O autor viveu os inflamados acontecimentos de Maio de 68, quando uma revolução que parecia movida pelo desejo tomou conta do mundo, tendo Paris como epicentro. O objetivo da Causa, a organização em que militava Martin, narrador e alter-ego literário de Rolin, era acabar com os "tigres de papel" do imperialismo, mas não só isso: por trás, havia o desejo de reparar o erro da geração de seus pais, que capitularam diante dos nazistas na Segunda Guerra e sofreram uma derrota sem honra na Indochina, na guerra colonial que anos depois culminaria na tragédia do Vietnã. O acerto de contas que Rolin faz em Tigre de papel, portanto, não é apenas com a sua própria geração, mas também com a de seus pais e com a seguinte, representada pela jovem que ouve a narração no banco do carona. Ela é Marie, a filha de Treize, seu melhor amigo e companheiro de militância na Causa, morto no começo dos anos 1980 em circunstâncias que vão sendo reveladas ao longo da história. Na virada do século, Rolin transformou "essas histórias que dormiam nos jornais de trinta anos atrás", como diz a epígrafe de Marcel Proust, num romance denso e belo sobre a sua geração, que não fez a Revolução mas extraiu dela algumas lições de beleza. O livro foi lançado na França em 2002, com grande repercussão. Foi finalista do Prêmio Goncourt e ganhou o France Culture 2003.



O fim de Eddy, de Édouard Louis
Na França e nos países onde tem sido publicado a obra de Louis tem causado retorno positivo do público e da crítica. O romance descreve a sua infância e adolescência como filho de uma família operária pobre e num meio onde o racismo, a homofobia e o alcoolismo eram uma constante e violenta presença. O leitor tem contato com a infância e adolescência de Eddy Bellegueule em uma aldeia da Picardia, a rejeição que sofre de pessoas da aldeia e da sua própria família por causa de seus modos efeminados e a violência e humilhações que suporta num ambiente que detesta homossexuais. As experiências do narrador retratam um mundo onde a pobreza e o álcool acompanham a reprodução social, que leva as mulheres a se tornar caixas depois de abandonar seus estudos e homens a passar da escola diretamente para a fábrica. Eddy Bellegueule finalmente percebe sua atração sexual por homens, e sua aversão para as relações heterossexuais, mas tenta retornar à norma. Antes da conclusão de seu fracasso, ele decidiu fugir e acaba deixando o caminho que lhe foi traçado para se juntar a uma escola de Amiens, onde descobriu uma outra classe cujos códigos de conduta são diferentes.

Fuja logo e demore para voltar, de Fred Vargas
Joss Le Guern é um ex-marinheiro que decidiu recuperar um antigo ofício de família: um de seus ancestrais percorria aldeias da Bretanha levando notícias do Império. Le Guern, porém, instala seu pregão em plena Paris de hoje. Em três edições diárias, ele anuncia declarações de amor, protestos e boas novas de quem lhe deixar bilhetes – e alguns francos – em uma urna instalada em praça pública. Numa época dominada pela alta tecnologia, o pregoeiro torna-se uma atração. Até que mensagens apocalípticas começam a aparecer: as citações, em latim e francês antigo, preveem a chegada de uma onda de peste negra. Ao mesmo tempo, um grande "4" invertido aparece inscrito em tinta preta nas portas de diversos prédios da cidade. Cadáveres não demoram a surgir, enegrecidos e picados de pulga. Jean-Batiste Adamsberg e seu assistente Danglard são chamados para a investigação. Algumas das qualidades da prosa da autora são a narrativa bem-humorada e o talento na criação de personagens únicos: o romance se compõe de uma galeria de tipos inesquecíveis.

A quarentena, de J. M. Le Clézio
Este é um livro sobre o mar. Um romance de aventuras, uma meditação sobre a natureza, uma fábula sobre a potência do amor. Terminada a leitura, estamos esvaziados, como se tivessem nos submetido a uma misteriosa provação física – privilégio das grandes obras, que nos dão a verdadeira medida de uma experiência literária. A quarentena é o período que um grupo de europeus é obrigado a passar numa ilha, onde estarão entregues a si mesmos, à doença, ao medo, à incompreensão e ao ódio. A ilha, lugar fechado e aberto ao mesmo tempo, figura clássica da utopia política, será para eles a antecipação do inferno. Mas será também o berço da intimidade em êxtase e do delírio amoroso.

O Salão de Wurtemberg, de Pascal Quignard
“Quando no silêncio da noite sondamos as profundidades do coração a indigência das imagens de que somos feitos a partir do gozo nos enche de vergonha. Eu não estava ali na noite de minha concepção. É difícil ver o dia que nos antecede. Uma imagem falta na alma. Dependemos de algo que aconteceu necessariamente mas nunca nos será revelado. A esta imagem que falta chamamos ‘origem’”. Assim, inicia Pascal A noite sexual (um dos seus melhores livros até o presente inédito no Brasil). Nele se constata algumas das obsessões do escritor francês: o silêncio. O salão de Wurtemberg é o seu terceiro romance e revela outra: a música. Uma história de amor e amizade e um inventário de memórias. Charles Chenogne, músico famoso, retira-se para sua propriedade no condado de Wurtemberg para escrever um livro. Ou melhor, para passar sua vida a limpo. Nesse processo irá descobrir que a pedra fundamental de sua existência foi sua amizade com Florent Seinecé. Pessoas diferentes a quem a guerra aproxima, a quem uma mesma mulher separa. Quando Charles encontra Florent pela primeira vez, na casa de Madame Loudier vê, numa cômoda, um bibelô: um sátiro perseguindo uma ninfa. Anos mais tarde, atento ao mesmo objeto, percebe que era outra a imagem: Eros fugindo de Psiquê. Um belo romance sobre o tempo e sua inexorabilidade, esta é uma obra carregada das imagens que Quignard ama esmiuçar.

Coração e alma, de Maylis de Kerangal
Le Havre. Simon Limbres regressa com seus amigos de uma aventura de surf. A camioneta na qual viaja bate contra uma árvore. Pouco depois, no hospital, o jovem morre, mas seu coração continua batendo. Thomas Remige, um especialista em transplantes, deve convencer aos pais em estado de choque de que esse coração poderia continuar vivendo noutro corpo e salvar, talvez, uma vida. Este é o contundente ponto de partida do romance que mantém o leitor atento até às últimas linhas. Um esplêndido ensaio autobiográfico em que se narra em primeira pessoa a experiência de viver com um coração de outra pessoa. Esta é a história de um transplante cardíaco. Um relato de precisão cirúrgica repleto de personagens inesquecíveis, em que histórias pessoais, diálogos e descrições técnicas se entrelaçam num ritmo frenético, digno de um grande filme de ação. São as vinte e quatro horas épicas entre o terrível acidente e o instante em que seu coração recomeça a bater no peito de uma parisiense de cinquenta anos.



Três mulheres fortes, de Marie NDiaye
As primeiras linhas desse romance já são marcadas por aquilo que melhor descreve a prosa de Marie NDiaye: a densidade. O leitor afunda como numa areia movediça. Ela trabalha o presente, ela se aprofunda na massa do presente com suas tensões e tropismos. Ela trabalha a viscosidade de nosso cotidiano massudo mais rasgado de faíscas que abrem para o maravilhoso. Neste livro, três histórias de três mulheres que suportam as mais diversas formas de sofrimento.

14, de Jean Echenoz
Vou embora e Correr são outros dois títulos de Echenoz no Brasil. 14 foi um grande sucesso de crítica e público. O livro, composto por quinze capítulos breves, aborda de forma original o tema da Primeira Guerra Mundial, a partir das histórias individuais de cinco amigos, e uma mulher, que partem para o front sem ter a menor ideia do que os espera. Num estilo apurado, avesso a toda ênfase sentimental ou épica, Echenoz revisita o conflito que definiu os rumos do século XX a partir da perspectiva da gente comum, que se viu entregue à própria sorte, fosse para sobreviver à longa matança, fosse para recomeçar a vida, um dia. A obra nasce do divórcio entre a euforia dos primeiros tempos e o horror das trincheiras. Num estilo avesso a toda ênfase sentimental ou épica, Echenoz revisita o conflito que definiu os rumos do século XX a partir da perspectiva da gente comum, da carne de canhão quase anônima que se viu entregue à própria sorte, fosse para sobreviver à longa matança, fosse para recomeçar a vida, um dia.

Vidas minúsculas, de Pierre Michon
Este é o primeiro romance do autor. Vidas desoladas, vidas de antepassados, parentes e amigos, personagens cambaleantes na província francesa em torno de um vilarejo esquecido. Uma miragem da imortalidade, um acesso de existência, este é o mote da obra, em que Pierre Michon lapida trajetórias de vida que, de tão “miniaturizadas”, tornam-se universais. Desfilam vidas esculpidas a cinzel. Um órfão atravessando o oceano em busca do imaginário utópico de riquezas africanas; a lembrança afetiva dos avós e do contato com objetos detentores de passado; os embates – descobertas de mundos – com os colegas de classe no liceu; o silêncio vivo da pequena irmã que não chegou a conhecer mas de quem depreende os rastros; a bela psicanalista que o coloca à escrivaninha; ou os tantos personagens a perambular em hospitais, igrejas, cafés, gente defasada no tempo ou nas origens, vivendo à margem, nas fronteiras do real e, por isso mesmo, detentora da verdade. Rimbaud, o filho e Senhores e criados e outras histórias são outros livros de Michon no Brasil.



A arte francesa da guerra, de Alexis Jenni
Professor de ciências, aos quarenta e oito anos Alexis Jenni se considerava um mero "escritor de domingo" quando enviou pelo correio este seu primeiro romance para a mais prestigiosa editora da França: Gallimard. O livro foi abraçado pelos editores e ao ser publicado, em 2011, arrebatou o Goncourt, o mais importante prêmio literário do país. De estilo clássico, esse romance épico parte de um debate que se tornou especialmente atual durante o governo de Nicolas Sarkozy (2007-2012): em que consiste a identidade francesa? Como as recentes guerras de independência de suas ex-colônias implicaram a constituição de um ideário racista e xenófobo na França contemporânea? Lyon, década de 1990. O jovem narrador perdeu a mulher, a casa e o emprego quando conhece Victorien Salagnon, veterano do exército francês. O encontro com um homem que viveu a "guerra de vinte anos" (apelido que o militar dá para o período que se estendeu entre a Segunda Guerra Mundial e a independência da Argélia) não poderia lhe parecer pior. Mas Salagnon sabe pintar, e o narrador, bem, ele sabe narrar. Os dois resolvem fazer uma troca: o ex-soldado lhe ensinará a usar o pincel e o narrador escreverá sua história.  Como a memória de um país é transferida de uma geração a outra? Que atrocidades são reveladas, e quais são escondidas por quem as cometeu? A partir da investigação minuciosa dos eventos do século XX, A arte francesa da guerra oferece um retrato amplo da sociedade francesa contemporânea e constrói uma gênese de seus problemas: a obsessão pela questão da imigração, o desemprego e a violência dos subúrbios. Por vezes aventuresca, sem deixar de tecer comentários de grande valor sociológico, essa obra monumental revela o pleno domínio narrativo de Alexis Jenni em sua estreia literária.

Bússola, de Mathias Enard
Romance premiado com o Goncourt, um dos mais importantes prêmios literários da literatura francesa, este livro é uma meditação musical e encantatória sobre Oriente e Ocidente, sobre "nós" e os "outros". Cai a noite sobre Viena e Franz Ritter, um musicólogo apaixonado pelo Oriente Médio, procura em vão dormir, à deriva entre sonhos e memórias, melancolia e febre. Revisitando sua vida – suas numerosas estadias em Istambul, Alepo, Damasco, Palmira, Teerã –, seu amor por Sarah, uma erudita francesa dona de uma inteligência feroz, e a memória de outros viajantes, aventureiros, acadêmicos e artistas do Ocidente que se apaixonaram pelo “outro” não europeu, Ritter (portador de uma doença aniquiladora) atravessa a noite numa vertigem de memórias, viagens e histórias.

A elegância do ouriço, de Muriel Barbery
À primeira vista, não se nota grande movimento no número 7 da Rue de Grenelle: o endereço é chique, e os moradores são gente rica e tradicional. Para ingressar no prédio e poder conhecer seus personagens, com suas manias e segredos, será preciso infiltrar um agente ou uma agente ou — por que não? — duas agentes. É justamente o que faz Muriel Barbery em A elegância do ouriço, seu segundo romance. Para começar, dando voz a Renée, que parece ser a zeladora por excelência: baixota, ranzinza e sempre pronta a bater a porta na cara de alguém. Na verdade, uma observadora refinada, ora terna, ora ácida, e um personagem complexo, que apaga as pegadas para que ninguém adivinhe o que guarda na toca: um amor extremado às letras e às artes, sem as nódoas de classe e de esnobismo que mancham o perfil dos seus muitos patrões. E ainda há Paloma, a caçula da família Josse. O pai é um figurão da política, a mãe dondoca tem doutorado em letras, a irmã mais velha jura que é filósofa, mas Paloma conhece bem demais o verso e o reverso da vida familiar para engolir a história oficial. Tanto que se impõe um desafio terrível: ou descobre algum sentido para a vida, ou comete suicídio (seguido de incêndio) no seu aniversário de treze anos. Enquanto a data não chega, mantém duas séries de anotações pessoais e filosóficas: os Pensamentos profundos e o Diário do movimento do mundo, crônicas de suas experiências íntimas e também da vida no prédio. As vozes da garota e da zeladora, primeiro paralelas, depois entrelaçadas, vão desenhando uma espiral em que se misturam argumentos filosóficos, instantes de revelação estética, birras de classe e maldades adolescentes, poemas orientais e filmes blockbuster. As duas filósofas, Renée e Paloma, estão inteiramente entregues a esse ímpeto satírico e devastador, quando chega de mudança o bem-humorado Kakuro Ozu, senhor japonês com nome de cineasta que, sem alarde, saberá salvá-las tanto da mediocridade geral como dos próprios espinhos.

Canção de ninar, de Leïla Slimani
Apesar da relutância do marido, Myriam, mãe de duas crianças pequenas, decide voltar a trabalhar em um escritório de advocacia. O casal inicia uma seleção rigorosa em busca da babá perfeita e fica encantado ao encontrar Louise: discreta, educada e dedicada, ela se dá bem com as crianças, mantém a casa sempre limpa e não reclama quando precisa ficar até tarde. Aos poucos, no entanto, a relação de dependência mútua entre a família e Louise dá origem a pequenas frustrações – até o dia em que ocorre uma tragédia. Com uma tensão crescente construída desde as primeiras linhas, o livro trata de questões que revelam a essência de nossos tempos, abordando as relações de poder, os preconceitos de classe e entre culturas, o papel da mulher na sociedade e as cobranças envolvendo a maternidade. Publicado em mais de 30 países a obra fez de Leïla Slimani a primeira autora de origem marroquina a vencer o Goncourt, o mais prestigioso prêmio literário francês.

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