O caminho para o sucesso já não passa mais pelo exotismo

Por Ana Llurba

Ilustração Pietar Posti

Quando tentava publicar seu primeiro romance há mais de uma década, uma emergente escritora nigeriana precisou escutar o comentário depreciativo de um agente literário que tentou demovê-la afirmando que para ela seria mais fácil publicar se fosse indiana porque os autores desse país estavam na moda naqueles anos. Ao que agregou o conselho não pedido de que situasse a narrativa do seu romance na América, ao invés de na Nigéria natal, para poder aproximar-se do público anglo-saxão. Quinze anos depois, a consagrada Chimamanda Ngozi Adichie (1977) pode orgulhar-se de ter sido fiel a si mesma e não ceder àqueles conselhos, como recordou há alguns anos numa entrevista para The New York Times.

A autora do celebrado Americanah, assim como Taiye Selasi, que alcançou reconhecimento internacional  com Far from Ghana, foram precursoras do que esta última escritora chamou como “afropolitismo”. O conceito se resume a escrever a partir da África para o mundo evitando o exotismo, os clichês folclóricos e culturais, com um olhar que se abre sobre as particularidades de cada país com uma mirada global. Movendo um pouco o eixo geográfico da África Ocidental até chegar a Magreb, também podemos incluir nesta tendência o sucesso internacional do romance Canção de ninar da autora franco-marroquina Leïla Slimani, premiado com o Goncourt.

Mas, o fenômeno não parou por aí: ainda continua chegando até nós a maior diversidade de histórias de sempre sobre o chamado “continente negro” que alberga em si um amplo espectro de culturas representadas numa elétrica variedade de temas, registros e gêneros na obra de diferentes autoras emergentes.

África, tão violentamente doce

Nascida em 1985 na África do Sul, Kopano Matlwa recebeu o Prêmio Literário da União Europeia em 2017 e o Wole Soyinka de Literatura em 2010. Embora pertença à chamada geração Born Free por ter-se criado durante a abolição do apartheid, a cicatriz da segregação continua sangrando na sua literatura. Assim demonstra Masechaba, a protagonista de Period pain, uma jovem estudante de medicina cujas vivências pessoais encarnarão não só o drama social da falta de oportunidades para os jovens, a corrupção, o sexismo e a xenofobia sistemática mas também o sofrimento pessoal das cólicas menstruais ao luto.

A partir do país de Nelson Mandela até ao noroeste, no centro deste tão variado continente, no Zimbábue, também se levantam novas e comovedoras vozes: “A história que me pediste que te conte não começa com a morte de Lloyd e sua lamentável feiura. Começa num dia de agosto de há muito tempo, quando o sol me queimava a cara e eu tinha nove anos, meu pai e minha mãe me venderam para um desconhecido. Digo meu pai e minha mãe, mas na verdade foi minha mãe”. Assim começa Book of Memory, o forte romance de Petina Gappah (1971). Protagonizada por Memory, uma mulher albina presa por assassinato, este romance salta em bom ritmo entre as curvas complexas da memória, da paixão e do destino. Mas, nem tudo é assassinato, culpa e busca de redenção em torno da pobreza e alienação deste continente marcado pela injustiça geopolítica global.

Assim demonstra NoViolet Bulawayo (1981), outra escritora do Zimbábue que com sua estreia literária, Precisamos de novos nomes, demonstra como a inocência, os jogos e o otimismo infantil podem ser um prisma emocionante para relatar a vida cotidiana em Paradise, um bairro da periferia na recém criada República de Zimbábue. Sua protagonista, Darling, é uma menina de dez anos que perseguirá a promessa de felicidade em outro país e que conseguirá, mas de maneira inesperada. Esta estreia recebeu inumeráveis prêmios e reconhecimentos, como a nomeação para o prestigiado Man Booker Prize.

As novas caçadoras de estrelas

“Estou construindo uma escada para as estrelas... Por isso escrevo”. Se levarmos ao pé da letra esta comovedora frase da escritora sul-africana Bessie Head (1937-1986) em seu manifesto Why Do I Write, poderíamos dizer que uma nova geração de autoras tem continuado a construção dessa ponte que conecte outros mundos e culturas. Esse é o caso de Nnedi Okorafor (1974). Apesar desta autora emergente do chamado “afrofuturismo” ter nascido em Cincinnati, Ohio, a mitologia e os multiuniversos que criou em seus mundos de ficção científica estão baseados na iconologia e na tradição da cultura Igbo, à qual pertence sua família na Nigéria. Sua prolífica obra começou a ser conhecida em português graças à publicação de Quem teme a morte e Bruxa Akata. Okorafor já recebeu prêmios como o Hugo e Nebula.

Também inspirada nas lendas orais da tradição ioruba, nos sugestivos romances da anglo-nigeriana Helen Oyeyemi (1984) reverberam as vozes de lendas ancestrais, marcadas por ritornelo dos contos de fadas, numa singular confluência entre a cultura oral africana e a metaficção anglo-saxã. No Brasil, tem sido publicado A menina Ícaro.

Aproximando-se de uma constelação que tem mais a ver com o star system do pop, a jovem poeta Warsan Shire (1988) publicava seus poemas em várias contas nas redes sociais e até havia recebido algum modesto prêmio de poesia; isso até sua aparição nos créditos do videoclipe da canção “Lemonade” de Beyoncé – o impulso para o sucesso. Filha de pai de origem somali, nasceu no Quênia e migrou para o Reino Unido. Talvez por isso sua obra poética está marcada pela experiência da imigração e o progresso.

A partir da autoficção, passando por gêneros especulativos, até à metaficção pós-moderna e a poesia, todas estas autoras têm um só aspecto em comum. E não é unicamente a latência de suas raízes culturais, mas as formas ecléticas e complexas que estas assumem, transitando por velozes estradas em duplo sentido onde confluem o local com o universal nessa única pátria em comum que é a literatura.

* Este texto é uma tradução de “El camio al éxito ya no pasa por el exotismo”, publicado no jornal El País.

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