Crônica de um leitor de O jogo da amarelinha (3)

por Juan Cruz Ruíz



Há gente que pergunta a idade dos livros e decide, em função dos anos, o que acontece com eles, ou o que deve acontecer, até quando durou ou até quando devem durar. Quando decidem que os livros estão envelhecidos porque tem anos suficientes cometem o mesmo erro de que quando  não os escolhem porque são demasiado jovens. Os livros não têm idade ou têm a que os próprios leitores lhe dão. Ou tem a idade que alguém lhes dê, ou têm todas as idades. Com O jogo da amarelinha aconteceu desde há algum tempo que alguns lhe tomam a temperatura ou que outros lhe tomam o pulso ou ainda que outros decretem sua morte. É um livro que foi para adolescentes ou para jovens, dizem. Então, não é velho? É velho mas foi jovem para aqueles jovens. Ah, os jovens de agora não podiam ter gostos semelhantes a aqueles de em torno de 1965 que o leram como se estivessem bebendo o elixir do contrarromance?

Esta reticência que mantenho ante aos que decretam com respeito a esta obra maior de Cortázar a velhice ou o envelhecimento vem de um feito que eu mesmo presenciei e ante o que senti o mesmo estupor de que agora padeço quando evocam a idade do livro como argumento para celebrá-lo. Era 1992, quando na Espanha alguns havia decretado um boicote ativo ao boom da literatura latino-americana; tal dia como em 24 de junho me haviam nomeado diretor da Alfaguara, que era a editora que mantinha os direitos de Julio Cortázar, e numa das primeiras reuniões que tive com meus companheiros perguntei a que se devia a anômala situação que consistia em ter os direitos do autor de O jogo da amarelinha e ocultar seus livros nas livrarias. Eu já disse em outro lugar a resposta que obtive: “É que Cortázar havia que traduzi-lo”. A indignação que essa frase produziu foi a origem do maior desenvolvimento editorial que eu organizei então: reeditamos os livros de Cortázar, com especial ênfase em O jogo da amarelinha, montamos uma série de atos na Fundação March com as marcas “Há que ler Cortázar” e “Queremos tanto a Julio”, pedimos ao pintor Eduardo Arroyo que fizera um pôster que incluíra no capítulo 7 de O jogo da amarelinha e nos sentimos muito gratamente surpreendidos quando vimos entrar nos atos inúmeros grupos de jovens que queriam saber de Cortázar, que queriam lê-lo e que encheram aquelas salas da March como se estivessem diante de uma novidade musical das que levantam massas.

Além de tudo isso, colocamos em marcha uma coleção, a de Contos Completos que inauguramos com os contos de Cortázar, acaso o melhor de sua produção geral; esses contos completos seguem tendo êxito editorial igual ao que obteve e obtém O jogo da amarelinha e outros livros de Cortázar. Não foi uma ressurreição, foi uma justiça que se levantou frente a incompreensão dos que decretam sem visão a morte de um autor ou envelhecimento prematura de um livro.  

Agora que passou meio século da publicação de O jogo da amarelinha quero alertar contra os que colocam o romance de lado, no lugar dos livros velhos. Quando vi a reedição do cinquentenário, na Alfaguara que agora é dirigida por Pilar Reys, fui tomado pela alegria que tomava em dias como hoje, quando menino, faziam me sentar numa cadeira adornada de frutas e plantas para receber o dia de São João. No meu caso, aquela emoção infantil não envelheceu, igual a emoção de reler O jogo da amarelinha que segue intacta. Porque os livros que amamos um dia, e seguimos amando, têm apenas a idade que seu ânimo tem no momento em que lemos. O jogo da amarelinha é um termômetro do tempo, mas isso não tem senão a idade do tempo em que tu mesmo vives.

Cinquenta anos? Talvez, mas vontade que o leiam hoje e sintam, como diante de Stendhal, ou ante Proust, ou ainda ante Hemingway, ou Onetti, que esse livro foi escrito ontem e para essa pessoa de hoje que o está lendo. E será como um presente de Reis ou de São João que eu mesmo vou fazer isso agora.

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