Novo projeto editorial para as obras Jorge Amado



Desde março de 2008 a editora Companhia das Letras tem iniciado a empreitada de reunir numa coleção a obra completa de Jorge Amado. Trata-se de um vigoroso e belo projeto que traz novamente às rodas das discussões literárias a obra do escritor; não que esta alguma vez tenha deixado de ser uma constante entre os leitores, porque o baiano é um dos mais valiosos nomes da nossa literatura e um dos que obtiveram, desde sempre, uma presença constante em diversos universos dentro e fora do Brasil.

Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, em Itabuna, na Bahia. Aos dois anos, a família mudou-se para Ilhéus, onde o menino passou a infância e viveu várias experiências que marcariam sua literatura: a vida no mar, o universo da cultura do cacau e as disputas por terra estão entre elas. Começou a escrever profissionalmente como repórter aos catorze anos, em veículos como Diário da BahiaO Imparcial O Jornal.

Na década de 1930 foi para o Rio de Janeiro, onde estudou Direito e travou contato com artistas e intelectuais, como Raul Bopp, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Vinicius de Moraes e José Lins do Rego. No ano seguinte estreou como o romancista com a publicação de O país do Carnaval, seu primeiro título. Quer dizer, antes disso havia escrito com Edison Carneiro e Dias da Costa a novela Lenita, obra, entretanto, que não figura oficialmente no rol de seus escritos.

Nota-se que em tudo foi um precoce; se começou a escrever ainda cedo para os jornais, o romance oficial de estreia, O país do Carnaval, foi escrito quando tinha só dezoito anos. Apesar do título é o mais sombrio e introspectivo dos livros que fizeram dele um reconhecido. A narrativa começa no navio que traz de volta ao Brasil o jovem filho de fazendeiro Paulo Rigger, depois de sete anos em Paris, onde cursara Direito e absorvera comportamentos e ideias modernas. Nos primeiros dias que passa no Rio de Janeiro, Rigger tenta compreender um país onde já não se sente em casa, um país que tenta timidamente superar seu atraso oligárquico e ingressar na era industrial e urbana. De volta a Salvador, ele participa de um grupo de poetas fracassados e jornalistas corruptos que giram em torno do cético Pedro Ticiano, cronista veterano. Todos se sentem insatisfeitos e buscam um sentido para a existência: no amor, no dinheiro, na política, na vida burguesa ou na religião. Nesse romance de geração, as dúvidas e angústias dos personagens espelham a situação do país, que naquele momento passava pela Revolução de 30 e procurava redefinir seus rumos, isto é, um texto que já trazia grande parte das bases literárias do escritor.

Durante o Estado Novo (1937-45), devido à sua intensa militância política, sofreu censuras, perseguições e chegou a ser detido algumas vezes. Foi neste período que seu livro Capitães da areia (1937) teve inúmeros exemplares queimados em praça pública, por determinação da ditadura. A narrativa traz como protagonistas meninos que moram num trapiche abandonado no areal do cais de Salvador, vivendo à margem das convenções sociais.

No fim do Estado Novo, foi deputado federal pelo PCB. Entre os projetos de lei de sua autoria, estava o que instituía a liberdade de culto religioso. Nesse mesmo ano, em 1954, conheceu Zélia Gattai, com quem se casou, teve dois filhos, João Jorge e Paloma, e viveu até os últimos dias. Neste período viajou pela América Latina, Leste Europeu e União Soviética. Foi quando escreveu então seus livros mais engajados, como a biografia de Luís Carlos Prestes e a do poeta Castro Alves, além da trilogia "Os subterrâneos da liberdade".

Depois de romper com o PCB nos anos 1950, sua literatura passou a dar mais relevo ao humor, à sensualidade, à miscigenação e ao sincretismo religioso; nascem livros como Gabriela, cravo e canela (1958), Tenda dos milagres (1969), Tieta do Agreste (1977), todos depois adaptados para a televisão, filão que terá contribuído em muito para a consolidação de sua popularidade no Brasil.

Na década de 1960 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e ganhou prêmios importantes da literatura em língua portuguesa, como o Camões (1995), o Jabuti (1959 e 1997) e o do Ministério da Cultura (1997); sempre considerado a maior aposta para ser o primeiro escritor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura, uma vez que Jorge Amado parecia preencher todas as características fundamentais de um perfil para o galardão, a honraria nunca lhe veio. Entretanto, sua obra continuou a conquistar o mais caro dos prêmios: está publicada em mais de cinquenta países e continua a encantar gerações diversas de leitores; foi adaptada com sucesso não apenas para a televisão, mas para o rádio, o cinema, e o teatro, transformando suas personagens em parte indissociável da vida brasileira.

A partir da década de 1980, passou a viver entre Salvador e Paris.  Jorge Amado morreu em 2001, alguns dias antes de completar 89 anos. Autor de uma obra grandiosa, não foi o escritor de uma obra só. Além das citadas neste texto, todas de relevância e sempre lembradas quando seu nome é citado, podemos destacar Suor (1934), Mar morto (1936), O sumiço da santa (1988), entre outros.

Jorge Amado foi, pela sua inventividade de recriação de um país profundo, um dos raros que pensou o Brasil através de sua produção romanesca; fez da realidade documento material para composição do romance, numa atitude que o aproxima ao papel de cronista do seu tempo. Trata-se um obra que olhando de hoje oferece linhas aguçadas de várias linhas da identidade nacional. Por exemplo, é impossível ler Capitães da areia e não ver ali a formação dos guetos de marginalização que circundam o país inteiro. A própria Salvador e a Bahia do escritor são exercícios de metonímia para compreender o Brasil.

Para marcar o momento de reapresentação da obra de Jorge Amado no Brasil, a Companhia das Letras preparou um site exclusivo com importante material de pesquisa, iconográfico e informativo sobre a obra do escritor. 


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