Miacontear - Peixe para Eulália

Por Pedro Fernandes



Reiterando o tom do maravilhoso, Mia Couto engendra em “Peixe para Eulália” uma narrativa cujo foco está em Sinhorito - um doido de um vilarejo dado a formulações sobre o futuro e logo matéria de galhofa para os habitantes do lugar. 

A única pessoa, por se sentir tão solitária e à margem social quanto Sinhorito, a depositar atenção nesse homem, é Eulália, funcionária dos correios. É numa grande seca que os do vilarejo inventam de se 'aconselhar' com Sinhorito, ainda que seja para levar o amalucado na troça por suas formulações.

Mais tarde o aparecimento de uma doença em Eulália pela escassez do tempo leva Sinhorito a inventariar não mais uma formulação, mas uma atitude: iria de barco ter no céu para mandar chuva à terra em favor de Eulália. Esse gesto é de uma sensibilidade tão aguçada que não perde para outros momentos desses desenvolvidos em vários outros contos de O fio das missangas

O fato é que pela força da imaginação, capaz esta de fundar a própria realidade, Sinhorito e seu barco são elevados ao céu - para espanto de todos. E tempos depois, a vila será tomada por uma chuva de peixes.

“Peixe para Eulália” revigora uma das forças necessárias à ordem da existência humana, a capacidade de sonhar. Sonhar, e aqui recupero a voz do menino que escrevia versos, é um modo de vencer as dores do mundo. A grande máxima que sustenta o conto pode ser estendida para todo o livro; e ao afirmar isso relembro de personagens como Sexta-Feira do conto “O mendigo Sexta-Feira jogando no Mundial”, Maria Metade do conto “Meia culpa, meia própria culpa” - sujeitos que colocados à margem da sociedade, criam seus próprios mundos a fim de suprir as faltas que o real sensível não é capaz de corrigir.

***
Ninguém é só atrasado: outras habilidades se esconderão, em outra dimensão do ser.

*
Vale não haver escassez de loucos. Uns seguindo-se aos outros, em rosário. Como contas de missanga, alinhadas no fio da descrença.

Ligações a esta post
>>> Acompanhe aqui a leitura dos contos de O fio das missangas.
 

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

Boletim Letras 360º #593

Boletim Letras 360º #592

“O cortiço” como expositor das mazelas e injustiças sociais

O visitante, de Osman Lins

Boletim Letras 360º #587

Boletim Letras 360º #586