Como fazer coisas com livros

Por Patricio Pron

Ilustração: Joe Prytherch


Ninguém jamais verá este livro nas listas “dos mais vendidos”, mas os únicos prejudicados por esta omissão serão aqueles leitores que ingenuamente creem que algo só é bom se for comprado por muitas pessoas. Apesar disso, não há o que reclamar a sua jovem autora, a poeta e artista multidisciplinar Amaranth Borsuk, nem quanto a seu tema, a história do livro e suas transformações ao longo de, digamos, os últimos 5.500 anos, uma história especialmente atrativa nos tempos em que o livro e o que se relaciona com a cultura surgida em torno dele se convertem em fetiche mercantil enquanto os índices de leitura não deixam de diminuir. A razão pela qual é improvável que El libro expandido seja lido por muitos leitores reside no fato de que, ao contrário de outros livros recentes sobre o tema, sua autora não banaliza essa história, a do livro e da leitura, nem a degrada em uma fantasia sobre reis e escribas ou em uma lição escolar repleta de lugares-comuns; de fato, o livro de Borsuk não subestima em nenhum momento seu leitor, a quem oferece em troca, no final da obra, leituras complementares e recursos on-line para “seguir investigando”.

El libro expandido aborda as diversas materialidades do livro, desde as tabuletas sumérias até o objeto comercializado com este nome nos dias de hoje. “O livro parecia ser um objeto sólido”, escreve Borsuk, “mas, apesar disso, hoje ele parece estar pronto para dissolver-se no ar, ou, ao menos, é preciso admitir que tem ameaçado fazê-lo no imaginário popular há pelo menos uma década com o aparecimento do leitor Sony Reader, em 2006, e em 2007, com o Kindle da Amazon, dispositivos de leitura que, para muitos, levarão à obsolescência do livro”, afirma.

A autora, no entanto, não é uma pessimista cultural. E a tese central de sua obra é a de que os suportes eletrônicos são benéficos de duas maneiras: fazendo com que o livro enquanto “dispositivo para a disseminação de ideias” conserve sua centralidade em nossa cultura e oferecendo um campo de possibilidades para a intervenção artística: não é de todo surpreendente que a padronização do livro como objeto produzido industrialmente e os temores quanto à perda do livro físico tenham conduzido a uma extraordinária diversidade de “livros de artista”, cuja origem a autora vincula às obras de William Blake, Ed Ruscha, Stéphane Mallarmé, Ulisses Carrión, Emmett Williams, Raymond Queneau, Georges Perec e outros criadores.

Borsuk leu os grandes autores sobre o tema, de Roger Chartier a Frederick Kilgour, passando por Frederic G. Kenyon, Anthony Grafton, Henry Petroski, Alberto Manguel e David Finkelstein. (Fica evidente que, ao menos até pouco tempo atrás, a história do livro é outra dessas histórias narradas quase exclusivamente por homens.) Ao discutir o livro como “objeto”, como “conteúdo”, como “ideia” e como “interface”, a autora propõe ao menos quatro formas antitéticas (mas complementares) de concebê-lo, assim como o tipo de coisas que se pode fazer com ele, o conjunto de práticas que, partindo das limitações e das possibilidades que o livro oferece, conformam uma sociedade e uma cultura. A história de Borsuk é inspiradora e elegante, uma dessas (muito raras) obras de divulgação que não se limita a popularizar conhecimentos sem também pensar “com” eles, em um processo extremamente inclusivo para o leitor, que é convidado a realizar uma viagem que (e isto está especialmente explícito em El libro expandido) não termina: como nos recorda a autora, a história do livro está cheia de períodos em que dois ou mais suportes materiais de leitura coexistiram sem que a existência de um implicasse uma ameaça para o outro. E, de qualquer forma, nossas práticas de leitura on-line se parecem muito com as realizadas por leitores de papiros e de tabuletas de argila não apenas devido ao scroll; mais uma vez, o novo repete uma gestualidade passada, e a utilidade e importância do livro voltam a manifestar-se cada vez que abrimos um verdadeiramente bom. Como este.

El libro expandido é o terceiro título da coleção Comunicación & Lenguajes dirigida pela pesquisadora argentina Silvia Ramírez Gelbes; foi precedido por El discurso híbrido. Formas de escribir en la web, da diretora da coleção, e Lectura transmedia. Leer, escribir, conversar en el ecossistema de pantallas, de Francisco Albarello. Talvez valha a pena ler este livro de Amaranth Borsuk junto dos dois títulos e como parte de uma constelação formada também por outra maravilha relativamente recente, o livro de Peter Mendelsund Qué vemos cuando leemos, publicado em 2015 pela Seix Barral. Nem tudo o que vale a pena está na lista “dos mais vendidos”.


* Tradução livre de Guilherme Mazzafera para “Cómo hacer cosas con libros”, publicado aqui em Letras Libres  a 1.º nov. 2020.
 

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