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O Misantropo, de Molière: entre honra e dissimulação

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Por Guilherme França O misantropo, de Molière. Ilustração: Dubout    No consagrado romance Moby Dick , de Herman Melville, o leitor se depara com a afirmação de que todo homem grande só chega a sê-lo por meio de certeza morbidez . Por sua vez, Alceste, o ingênuo protagonista da peça O Misantropo (1666), de Molière, irritava-se já àquela época com os melindres necessários para que um sujeito pudesse transitar entre os diversos grupos sociais.   Embora alguns comentadores da obra prefiram exaltar o comportamento mais ou menos imaturo ou intransigente de Alceste diante de uma sociedade que não compreende e que não segue os padrões morais que carrega em si, prefiro ser um daqueles que dá certo crédito às análises e críticas sociais formuladas pelo indignado e intransigente personagem.   Alceste é repreendido em vários momentos, por diferentes personagens, em virtude de sua personalidade inflexível diante das manobras e falsidades às quais as pessoas se sujeitam para f...

Confissões da ilha

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Por Pedro Fernandes   A ilha é, afinal de contas, o refúgio último da liberdade, que em toda a parte se busca destruir. — Carlos Drummond de Andrade Pilar del Río. Foto: Jeosm   Na sessão de apresentação do romance O último minuto na vida de Saramago ocorrida em outubro de 2023 na reservada e preciosa Sala Gema da Livraria Lello, no Porto, Miguel Real colocou José Saramago e Pilar del Río entre os grandes amores que constituem a história (e já o imaginário) portuguesa. Sem a sina trágica e sem os clichês da convenção amorosa, na concepção do escritor, o encontro conciliou uma união ibérica centrada nos princípios mais caros ao humano neste século: os de uma ética centrada nos valores culturais, críticos e integrados com a ação interventiva e libertária num mundo continuamente assombrado pelas opressões e de escassa mão-de-obra para as transformações capazes de desviar a civilização do projeto de ruína para o qual se dirige cegamente.   José Saramago conheceu Pilar del R...

“O assassino”, a inusual fantasia proletária de David Fincher

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Por Alonso Díaz de la Vega   Durante grande parte das filmagens de O assassino (2023), David Fincher se dedica à tarefa mais essencial do cineasta: mostrar personagens. espaços, ações, objetos. A sua observação é por vezes demasiado rápida e até mecânica para pensarmos que estamos vendo um filme de processos, ou seja, que contempla, passo a passo, e por sugestão do título, como matar.   Onde os fracos não tem vez (2007), dos irmãos Coen, seria um bom exemplo recente, graças ao rigor com que descreve como Anton Chieurh (Javier Bardem), o homem-peste, faz uma arma com tanque de gasolina, ou como seu rival. Llewelvin Moss (Josh Brolin), prepara armadilhas para ele em um quarto de hotel. A narrativa congela ao observar, quase com fetichismo, os fascinantes mecanismos do homicídio, que mesmo imorais ainda não deixam de surpreender. O cinema é, afinal, uma oportunidade de ver o que a vida cotidiana nos esconde.   O assassino , por outro lado, não vai tão longe, mas porque nã...

O regresso de Mario Vargas Llosa a um país atribulado

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Por Domingo Rodenas de Moya Mario Vargas Llosa. Foto: Ximena Garrigues e Sergio Moya.   É impossível reprimir uma certa melancolia para aqueles de nós que lemos os romances e ensaios de Mario Vargas Llosa durante toda a vida, porque o imenso escritor de Arequipa, depois de mais de sessenta anos de trajetória (os contos de Os chefes são de 1959) 1 , anuncia seu fim com Le dedico mi silencio 2 e um próximo ensaio sobre Jean-Paul Sartre.   Para se aposentar do romance, gênero no qual produziu um número surpreendente de obras-primas — de A cidade e os cachorros (1963) e A casa verde (1966) à Conversa no Catedral (1969), A guerra do fim do mundo (1981) ou A festa do bode (2000), Vargas Llosa escolheu um caminho de regresso, um retorno ao seu Peru enredado e afligido pelas fissuras e pelas diferenças sociais, e um estratagema frequente em sua obra: o de inserir na ficção o processo de escrita de um livro, neste caso um ensaio sobre a música crioula (valsas, huainos, marinera...

Coetzee: a maldição de escrever

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Por Rafael Narbona J. M. Coetzee. Foto: Murray White J. M. Coetzee já é, sem dúvida, um clássico. Não porque tenha recebido o Prêmio Nobel, mas porque conseguiu penetrar nos estratos mais profundas da consciência humana com uma prosa cuidadosamente refinada, onde a concisão e a precisão se unem à introspecção e ao lirismo. Com este texto concluo o meu percurso por alguns dos livros que antecederam a atribuição do Nobel em 2003.   Alguns apontam que a Trilogia de Jesus carece do interesse de seus romances da maturidade, mas acredito que ainda reflita um firme compromisso com a inovação. Coetzee não se limitou a repetir uma fórmula. Cada livro constituiu um exercício de renovação e autocrítica. É a atitude que caracteriza os grandes criadores.   Dostoiévski e a maldição da escrita¹   A literatura alimenta-se de literatura. Daí, o escritor sul-africano faz de Dostoiévski o protagonista de uma de suas ficções. O escritor russo possuía um enorme talento e uma personalidade obs...

Boletim Letras 360º #560

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DO EDITOR   1. Olá, leitores! Até o fechamento da edição deste Boletim contamos nove inscritos para o último sorteio do ano entre os apoiadores do Letras . No início da semana lançamos o desafio de acrescentar duas novas apostas: os títulos O homem que matou o escritor , de Sérgio Rodrigues, edição da Companhia de Bolso publicada recentemente; e Se um viajante numa noite de inverno , de Italo Calvino, edição especial em capa dura com acabamento em tecido, da Companhia das Letras. Mas isso se alcançarmos 16 inscrições.   2. O sorteio acontece hoje, 11 de novembro, no início da noite, quando começamos a divulgar os sorteados nos stories em nossas contas no Instagram e Facebook . Bom, até lá podemos chegar ou não ao número de participantes que daria seis e não quatro chances de brindes.   3.   Além dos títulos possíveis, revisamos que estão confirmados: Por que ler os clássicos , de Italo Calvino, edição especial capa dura com acabamento em tecido, da Companhia das Le...