Naruto e a Confissão da Raposa de Nove Caudas

Por Wagner Silva Gomes




Comecei a assistir Naruto, anime dirigido por Hayato Date e adaptado do mangá escrito e ilustrado pelo escritor Masashi Kishimoto, pela empolgação de alguns adolescentes diferenciados, uns três em particular, com quem pude conviver ao longo do tempo em minha profissão de educador social. Me perguntava o que o anime tem de tão especial que deixa os garotos como sob o efeito de magia, como poucos me deixaram na infância e adolescência. Também tive o estímulo da citação musical, à la imagem com o viés das vanguardas modernistas, do Criolo, que ouço com frequência, em uma de suas letras 

(Nin-Jitsu, Oxalá, Capoeira, Jiu-Jitsu Shiva, Ganesh, Zé Pilin dai equilíbrio/
Ao trabalhador que corre atrás do pão/
É humilhação demais que não cabe nesse refrão). 

Surpresa minha ao terminar a primeira temporada, porque o anime supera, com todo o respeito, os meus animes maiores, Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball e Yu yu Hakusho, e a história chega ao nível literário da melhor literatura. Já vou explicar o porquê. 

O lance da raposa de nove caudas que horroriza a vila, mata os pais do Naturo e, depois, por um feitiço, é presa dentro dele, me lembra os terrores nos povoados dos romances de Mia Couto, cujos mistérios são sempre de cunho de opressão social, por exemplo, a aparição cruel da leoa que mata os homens, em A confissão da leoa, representando aí o embate feminino contra a opressão patriarcal; ou na relação supersticiosa com a morte e a medicina em Vila Cacimba, no livro Venenos de Deus, remédios do Diabo, representando a opressão de classe e a não sintonia entre ciência e saberes nativos ancestrais acarretada daí - brancos estudam, pretos não. Depois que a raposa entrou em Naruto, a vila passa a vê-lo como um demônio, fruto daquele mágico animal, e ele assume com esse símbolo um embate de equilíbrio e domínio de si, rompendo todas as expectativas sociais que seriam destinadas a ele.

É tamanha a resistência do garoto que ele consegue se superar nos momentos de maior opressão. Um exemplo é quando os novos ninjas Naruto, Saski, Sakura e o sensei Kakashi têm de proteger o construtor da ponte cuja conclusão acabará com o fim do monopólio comercial na vila, pelo mostra responsável por preços abusivos e uma cultura de quadrilha criminosa, que se aproxima do que seriam as milícias do Rio de Janeiro.

O Naruto tem tudo para escolher o caminho errado, do crime, mas se enveredar por esse viés é por litígio ao direito de ser ninja, ou seja, por reivindicar oportunidade de estudo, como quando rouba um segredo de um pergaminho com a intenção de adquirir aprendizagem, de se superar, respeitando os ensinamentos dos mestres, ao contrário dos ninjas patifes interessados nos pergaminhos secretos com o intuito criminoso de promover o terror social, o que fizeram muitos ninjas apresentados, que sem a proteção social na infância e na adolescência se apoiaram na primeira pessoa e primeiro criminoso que investiu em seu potencial. O que mostra que se o Naruto não persistisse na atitude certa e não encontrasse as pessoas certas, se tornaria também um ninja patife criminoso. Esse tipo de construção narrativa que leva a essas conclusões por um caminho de hábito e vivência com a trama leva o anime ao mais alto nível de resolução social. 

Tudo isso me lembra a famosa frase de Tolstói: canta tua aldeia e serás universal. Outra da lavra do escritor que também caberia ao garoto é: todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.

Tive uma sensação de satisfação tão grande com a conclusão da primeira missão da equipe de ninjas liderada pelo sensei Kakashi, no episódio final da conclusão da ponte, com o construtor dando o nome a essa de Naruto, dizendo que esse nome trouxe sorte ao povoado e que seria conhecido no mundo todo. Além do grande exemplo do Naruto para os vilões patifes que ao lutarem contra o herói se reconciliam com a honra ninja e humanista no momento final, sendo esse um gesto de muita beleza.

Naruto. Que bacana, que moleque chato, teimoso, idiota, inteligente, forte, sincero, companheiro. E que resistência. Que orgulho em se superar e que entrega idiota grandiosa. Se Naruto me dissesse o seu jargão: - Tô certo!, apesar da sua certeza e marcante redundância retórica, eu redundaria ainda mais uma vez: - Tá certo, Naruto!


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