Visão prospectiva da literatura no Brasil



Desde que a literatura brasileira adquire esse adjetivo nacional, brasileira, ela se debate em cada novo ciclo de produção escrita com a necessidade de se auto-justificar enquanto produto genuinamente da terra. No entanto, paralelo a esse esforço hercúleo há de se considerar a formação de camadas literárias que se utiliza duma palavra rebelada, consoante Coutinho, que de certa forma assiste-se como um fenômeno inerente a todos os povos. No entanto, corre-se o risco de, ao trabalhar esta convencional idéia de nacionalidade, perder-se na construção histórica, haja vista que a era da qual fazemos parte hoje não mais nos permite a essa espécie de ostracismo. Se o domínio planetário se baseia em novos moldes ou padrões transnacionais ou mesmo antinacionais, resta somente enxergar onde que, a literatura enquanto arte se recicla, se ressignifica, o que leva-nos a concordar que, a chamada contracultura interpõe-se como uma resposta positiva ao monocêntrico cânone que se organizou por aqui. Enquanto crise a contracultura passa a ser entendida com um movimento de transição, representada metaforicamente como um raio que toca um prisma e se dispersa, ao opor-se ao presente, receptar o passado e projetar-se, expondo-se enquanto movimento de transparência no justo momento em que se constata uma exaustão das formas institucionalizadas. Diante destas considerações Coutinho considera a emergência da paraliteratura enquanto modalidade expressiva ocupante do espaço que separa a literatura exaurida e a literatura do por vir; noutras palavras a paraliteratura trata-se duma literatura da crise da literatura. Ao entender o consumo enquanto voragem da criação artística, filão que ao massificar a literatura despoja ela de sua função formadora, a paraliteratura, aliada a uma nova estrutura de mercado que determina a manufatura, comporta-se como voz de seu tempo. Ou seja, a paraliteratura assume uma faceta despojada para com os reais interesses de outrora o que nos leva a perguntar sobre sua função neste cenário e a natureza da “real” literatura. A título de registrar uma resposta a estas indiretas indagações, Coutinho cita o caso da crônica brasileira, que desde Machado de Assis assumiu papéis importantes no sítio da produção escrita no País, haja vista que ela deixa de ser gênero amorfo e incolor para ancorar-se no território dos gêneros literários como um objeto artístico extremamente matizado. Constata-se que, apesar de figurar no território da marginalidade literária deve ser vista como elemento dotado de literatura à medida que o cronista é o criador/modelador do signo lingüístico. A mesma transfiguração lingüística que se faz viva na poesia se vê latente na escrita da crônica, entendida na sua maleabilidade como um gênero onde o fazer literário se expõe como próprio, além de comporta-se como o instrumento que preenche o vazio deixado pela produção fictícia, fabricando e expondo realidades coletivas, individuais, anônima e pessoal. Semelhante ao movimento da paraliteratura, as alternativas vanguardistas também reservam o propósito de preencher o rastro do vazio deixado pela crise, apenas pecam por não acreditar na totalidade do signo verbal, que sendo mudo, ao justapor-se a outro fala por si só. Ao recobrar esses propósitos da paraliteratura e das vanguardas, Coutinho entende que a nova literatura brasileira deve emergir de um solo fértil e forte que se constituirá nas marcas de uma nação planetária; caso ainda permaneçamos nos moldes ostracistas não haveremos de alcançá-la. A única medida, portanto, trata-se de questionar o posto e fundar um novo.

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O título desse texto é o mesmo de Afrânio Coutinho, publicado no sexto volume de A literatura no Brasil (São Paulo: Global, 2003), sendo as idéias desse teórico as que aqui uso, tratando-se, pois, dum percurso por sobre outro.

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