“Não Matarás”

Por Pedro Fernandes



Estava depois dos últimos acontecidos por entre os terrenos da igreja católica - enumero alguns para os de mente esquecida ou que padecem da mesma esquizofrenia sobre a qual se erige os muros das religiões: Inquisição, moléstia sexual de crianças, negação do Holocausto, e, entre estes, um bem recente, cá entre nós, que esteve a povoar a mídia, a excomunhão de uma equipe médica e dos envolvidos num aborto legal de gêmeos feito numa criança de nove anos grávida depois de molestada sexualmente pelo padrasto - e junto com esse painel de horrores fico lembrando-me de meu tempo de catecismo, quando a professora punha os alunos, entre eles eu, para ditar a tábua dos Dez Mandamentos da Lei de Deus. Dentre os mandamentos que ditávamos estava um, que não me lembro bem ao certo agora qual é, mas lembro-me claramente o conteúdo, "Não matarás". Associado a isso estive a lembrar também dos tantos discursos que a Igreja tem mostrado a favor da vida humana.

Por estas questões, principalmente esta última acontecida recentemente, penso que devo eu está doente das faculdades mentais porque fico refletindo sobre elas e não consigo encontrar o sentido/a concordância que estas fazem com o tal mandamento divino "Não matarás" e esses tais discursos ditos a favor da vida. Entretanto, se estou bem de minhas faculdades mentais - e ainda acho está porque até hoje não dei para rasgar dinheiro - vejo que estamos mesmo num trem descarrilado.

Foi com esses discursos a favor da vida que nos meus tempos de catecismo tinha a inocência de que a Igreja era boa. Tinha a inocência de que aquilo que eu já lia nos livros de História acerca da Inquisição eram somente histórias. Tinha a inocência quando ia às missas aos domingos de que aquilo que o padre falava era verdade incontestável. Hoje posso perceber que não. Não eram tudo verdades o que padre falava, não eram histórias a História que eu lia, como não é boa a Igreja. Ela está em toda parte contaminada por loucos que há tempos presos num manicômio chamado fanatismo religioso - não há outro nome para certas atitudes tomadas pelos ditos superiores - ocupam com suas roupagens cargos que ao invés de contribuírem para um desenvolvimento da sociedade servem apenas para congelá-la, colocando os indivíduos que nela estão numa estagnação mental em torno de determinadas questões que à luz da ciência já se encontram há anos resolvidas.

Não é possível passar em branco a atitude de excomunhão dada aos envolvidos nesse aborto, quando mais que provado estava que a mãe, que sequer sabe o sentido da maternidade, não podia conduzir uma gravidez que punha em risco mãe e crianças. Atitudes desse tipo, que parece ser doutro mundo, doutra era, só vêm confirmar que o interesse das igrejas - e agora não me refiro apenas à católica - não tem sido na vida, tampouco na alma dos fiéis. Tenho impressão de que elas sequer sabem o que é vida e o que é alma e se utilizam de conceitos forjados sobre as duas coisas no intuito apenas de congregarem o maior número de fiéis em torno das suas causas próprias - a alienação dos indivíduos e a expropriação de recursos materiais em torno de um enriquecimento ilícito e da ampliação dos horizontes de dominação ferrenha, ditatorial e retrógrada.

A meu ver estão todos padecendo duma esquizofrenia que veda o olhar para o sentido daquilo que de mais belo o discurso religioso deturpou: os ensinamentos de Cristo. A meu ver não pode existir reflexão sobre a vida em quem a extermina, seja pelos negros anos da Inquisição, seja pelos negros anos de moléstia contra crianças e adolescentes em corredores de igreja ou fora dela por seus representantes legais - e estes anos ainda perduram até hoje. Não pode existir reflexão sobre a vida em quem defende a inexistência do extermínio dela. Não pode existir reflexão sobre a vida em quem defende - e nisso eu nem tinha tocado - o não uso do preservativo, única forma mais segura de se evitar o vírus da AIDS. Enfim, não pode existir reflexão sobre a vida em quem defende contra as leis da ciência e até as do senso comum a morte.


* Texto publicado no jornal Correio da Tarde, 16 de março de 2009.

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