Gonçalves Dias, o primeiro poeta do Brasil



Durante as já tão minhas faladas e mais ou menos produtivas férias do mês de janeiro, passei os olhos numa biografia que há uns cinco anos tive oportunidade de ler. Falo da biografia do escritor brasileiro Gonçalves Dias. O livro foi um dos volumes que saiu numa coleção intitulada A vida dos grandes brasileiros publicada pela IstoÉ com texto do autor Pedro Pereira da Silva Costa. 

E como é grande a literatura de Gonçalves Dias! Ainda maior parece ter sido sua vida. O amor que devotou ao Brasil em seus versos não parecia tanto com aquele poeta fingidor do qual falaria contemporaneamente Fernando Pessoa. Pelos traços biográficos seus, posso mesmo admitir que Gonçalves Dias realmente andava  e amava (por) essas paragens selvagens. A post de hoje é dedicada ao poeta maranhense.

Canção do exílio

Kennst du las Land, wo die Citronen blühn
Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühn,
Kennst du es who? – Dahin! Dahin!
Möchtich… ziehn.
Goethe

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’ainda avista as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Coimbra, julho, 1843.

Estamos no Maranhão. Último foco da resistência portuguesa. Em 1823. A Bahia caiu tem poucos dias, e ali, no centro daquela terra de colonização antiga, acaba de se fazer a independência do Brasil. O dia é 1º de agosto. Nove dias depois, no meio do mato, nasce Antônio Gonçalves Dias. Seu pai, João Manuel Gonçalves Dias é comerciante português em Caxias. Apoiou – como lhe mandava a consciência – o mais que pôde as tropas do herói português Fidié, e, tombada a cidade, ante a dominação dos brasileiros, partiu com Vicência para o meio dos matos. Numa de suas terras, longe da casa da fazenda, numa tapera, na floresta, ela dá a luz a um menino.

Gonçalves Dias nascia da terra Brasilis. Nato. Cresce no meio do mato. Se foi do exílio que falou sob os versos mais conhecidos, pode-se dizer que o poeta já nascera exilado. Longe dos grandes centros. Foi onde passou a mocidade. João Manuel dá atenção a criança, mas à Vicência, mulher filha de brasileiros, cabocla ou mameluca, não. É uma selvagem. Uma daquelas mulheres que andam a serviço aqui e ali, fazendo de tudo, os trabalhos de casa, da cama, no meio daquela terra imensa, cercada de floresta, pelos índios, onde os brancos e os negros são poucos.

A vida de Gonçalves Dias foi toda em retirada. Pelo mato. Pelo mar. Chega no Rio de Janeiro em 7 de julho de 1846:

“Foi maldita a viagem, e tanto que eu já desesperava de chegar a salvamento. Saindo da Paraíba – encontramos um iate pelo meio da noite – houve avaria – a tripulação do iate saltou para o vapor e creio que o iate foi ao fundo. Em Pernambuco arrebentou-se uma amarra, e quase fazemos espalhafato com os navios ancorados. Na Bahia houve assassinato a bordo – o contramestre que matou um marujo. E ao entrar no Rio – faltou-nos o carvão – e uma das caldeiras por estar rachada ou por outro qualquer motivo não podia trabalhar. Entramos pois no dia 6 à noite, e desembarcamos no dia 7. Ao desembarcar os trastes vi que a minha caixa de livros se tinha molhado – estragaram-se três últimos volumes do Byron – alguns de Filinto – todos os meus manuscritos etc. e por fim, como eu não posso mudar de terra sem granjear moléstias, estou com a boca toda ferida; não sei de que: talvez seja por causa da creosote de que fiz muito uso durante toda a viagem – com a dor de dente – talvez mesmo do charuto – talvez gálico – veremos o que é.” (carta de Gonçalves Dias a Teófilo)

Por aí se nota o quão turbulenta foi sua vida. Se turbulenta eram as viagens. E se muitas foram as que Gonçalves fez.

Na sociedade carioca, participou da efervescência que tomava conta do Rio naquela época. Vai a saraus. Bailes. Teatros. Reuniões. Na volta para casa, no Maranhão, de sua primeira viagem ao Rio de Janeiro, essas alegrias seriam destruídas; Ana Amélia, seu amor, fora levada para junto de outro, está agora no Recife.

Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração – abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,
D’altas virtudes, té capaz de crimes!

Compr’ender o infinito, a imensidade,
E a natureza de Deus; gostar dos campos,
D’aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,

E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;

Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes:
Isso é amor, e desse amor se morre!
Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que o amor que em nós sentimos;
Temer qu’olhos profanos nos devassem

O templo onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis, d’ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora
Compre’nder, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos

Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!

Desilusão amorosa à parte, Gonçalves volta ao Rio de Janeiro em junho de 1852. Essa viagem lhe renderia o casamento com a filha de um amigo de Porto Alegre, Olímpia Coriolano. No mesmo ano é nomeado para o cargo de oficial da Secretaria de Negócios Estrangeiros, mas ainda assim continua lecionando no Pedro II. Dessa sua estadia no Rio, outra viagem se avultaria ao horizonte de Gonçalves. Agora a Europa, em 14 de junho de 1854. A diferença se dá que nessa segunda ida sua ao Velho Continente, já por Lisboa, para onde primeiro vai, é reconhecido seu talento como poeta. Há nove anos quando por lá esteve Gonçalves era apenas um estudante. Não merecia cabimento. De Lisboa vai a Paris. De Paris vai a Bruxelas. De Bruxelas para Dresden. De Dresden para Munique. De Munique para Leipzig. De Leipzig a Viena. De Viena a Roma. De Roma de novo a Paris. De Paris de novo a Bruxelas, quando fica pronto seu dicionário de Tupi. Também sai uma edição de seus Cantos. Sucesso lá e cá no Brasil. Depois Os Timbiras. Este não tanto sucesso. De Bruxelas volta a Paris. De Paris volta ao Brasil – Rio de Janeiro. Do Rio novamente ao Maranhão.

Trabalhos foram muitos. Além de seus textos, traduz Noiva de messina, de Schiller, O poema da raposa, de Goethe etc. Amores também foram muitos. Na Europa e no Brasil. Mas o coração era ainda de Ana Amélia. Do Maranhão volta ao Rio. Do Rio a Europa – Bruxelas. Muito aplaudido em Dresden. Esta viagem vieram os sintomas de uma doença que pareciam não ter fim – era o estômago, os testículos, a garganta. Em 06 de setembro de 1864, escreve ao Brasil: “Dizem-me que há um navio a sair no dia 10 do corrente. Se há, vou nele. Em princípios de outubro devo lá estar, se não ficar no mar.” O navio é o Ville de Boulogne. Um velho brigue veleiro com uma equipagem de doze homens. Ele é o único passageiro. 53 dias de viagem. A doença também o vai levando. Em fins de outubro já não come quase nada. Bebe apenas água com açúcar. Quer fumar, não pode mais. Uns marinheiros sopram fumaça na sua boca. Não pode mais falar. Ainda tenta trabalhar. Finalmente em 2 de novembro avista a terra do Maranhão. Gonçalves Dias pede que o subam à popa para ver sua terra. E vê os buritis. As palmeiras. Não resiste a emoção. Desmaia. Falta só um dia para chegar a São Luis. Mas na noite, por volta das três ou quatro horas da manhã, o navio bate nos baixios de Atins. A tripulação se salva sem qualquer dano. O poeta é esquecido na água.

Tido com um dos escritores do movimento indianista no Brasil, deixou além dos Cantos, I-Juca-Pirama, uma espécie de poema épico que conta a história de um último descendente da tribo dos Tupi, aprisionado pelos valentes Timbiras, entre outras obras.


* Texto fonte. Partes das idéias e parte do texto, bem como os poemas desta post são/estão de/em COSTA, Pedro Pereira da Silva. Gonçalves Dias. São Paulo: Editora Três, 2001 (col. A vida dos grandes brasileiros).

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