Foxcatcher - uma história que chocou o mundo, de Bennett Miller



Antes de tudo é preciso dizer que este filme se filia ao conjunto de produções que assinalam uma gradual mudança nas formas de representação sobre os Estados Unidos pelo cinema. Aos poucos vão sendo revelados aos olhos dos espectadores que se encantaram (até mesmo sonharam) com o modo de vida estadunidense a grande farsa ou mesmo a grande letargia do sonho onde estiveram presos durante uma leva de tempo. 

Talvez, anterior, ao cinema produzido nos Estados Unidos, seja necessário dizer que já outras artes terão compreendido há mais tempo a necessidade de denunciar o escondido por detrás da aparência – o que não é, evidentemente, uma verdade absoluta, a boa arte sempre terá olhos de lince para o contexto em que se situa. 

Sobre essa tomada de rumo diverso nos últimos anos já outra vez observamos como produto da crise instalada naquele país nesse entre-séculos ou ainda certo cansaço pela repetição sempre dos mesmos modelos de produção e uma necessidade de revisitar outras possibilidades até então tornadas em fato sem expressão de grande sentido. Embora, é claro, as produções de louvor nacional ainda prevaleçam; lembrem só do rídico Sniper Americano, de Clint Eastwood.

E Foxcatcher não é um trabalho sobre o qual se diga grande coisa ou ainda que deva figurar entre os títulos essenciais de seu tempo ou sobre o tema da perda de certo centro de significação estadunidense no mundo. Bennett Miller volta à forma que lhe deu destaque há alguns anos – Capote e O homem que mudou o jogo – para trazer aos olhos do grande público novamente os tais fatos que se deram o que falar na ocasião de seu acontecimento foram varridos por certo vassourão da hipocrisia. O episódio que buscará dar forma é um assassinato em 1988 envolvendo uma das famílias mais abastadas do país: os du Pont. A família iniciou sua dinastia com o fornecimento bélico na Guerra Civil americana; ao custo de muitos privilégios do governo ficou rica e deu pulso aos investimentos na indústria química.

Se o filme não é de arrastar grandes arroubos, a sina não pode recair sobre as personagens principais vividas pelos atores Steve Carell (John du Pont), Channing Tatum (Mark Schultz) e Mark Ruffalo (Dave, irmão de Mark). Todos envolvidos por um forte trabalho de transformação de maquiagem (sobretudo Carell), mas tomados por atuações de grande envergadura. 


John é o herdeiro único da família que parece viver tão somente à espera da morte de sua mãe, por quem não tem nenhuma simpatia por atribuir a ela toda a culpa por ser a figura que se tornou – vazia, solitária e submissa ao dinheiro para angariar qualquer simpatia que valha. Além da coleção de armas, seu hobby é a luta livre, considerada pela mãe, esporte menor.

Mesmo que o dinheiro não possa comprar felicidade, se sim, John não seria a figura amargurada e ressentida que é, pode comprar seus gostos: monta uma academia de luta livre e contrata para treinamento os melhores esportistas de seu tempo, entre eles Mark e Davi Schultz, o lutador e o treinador. Daí em diante, fica o leitor, com a curiosidade de assistir ao filme, porque organizada assim os elementos centrais da trama, nos restringiremos a compreender, ainda que superficialmente, como Miller constrói cada uma dessas figuras no amplo território de representações de uma narrativa que é, voltamos a repetir, um mimetismo do atual modelo social estadunidense, inclusive, com todas as implicâncias mais visíveis no atual contexto, como a de articulador de uma intriga entre países a fim de recuperar para si, sem tiro de misericórdia, o status que já tiveram um dia – ou, para ser mais direto, o papel de filho que quer, de toda maneira, aparecer entre os de uma grande prole.

Primeiro, Foxcatcher é o retrato de uma decadência da tradição ou a traição da tradição. Mesmo que John faça o coro nacionalista de recuperar o status de respeito dos Estados Unidos frente ao mundo, por exemplo, ele próprio não consegue desempenhar, nem para si nem para os que estão ao seu redor, o papel de herói que diz sonhar para o país. 

Depois, se toda a vida sua é uma aparência mal resolvida, seu único interesse como déspota e com fortes características ditatoriais é de tão somente ter ao seu redor quem lhe bajule; suas atitudes são sempre centralizadoras e pautadas pela obsessão de, a qualquer custo, atingir o que nunca poderá atingir, o reconhecimento. Nessa atmosfera imperialista e ufanista ganha destaque na cena uma quase-personagem que é o espaço onde se desenvolve parte significativa das ações da narrativa, a fazenda Foxcatcher que, ao assumir o nome do filme, parece ser a principal expressão que atua fortemente sobre a existência das outras personagens.  

John representa, pela ideia de que o capital é capaz de comprar tudo e a todos (desde um troféu simples de primeiro lugar numa luta livre entre esportistas de cinquenta anos até campões como Mark e o irmão, quem representa o lado oposto a toda essa ambição ou obsessão desnecessárias para ser o herói), um imperialismo. O mesmo que, em nome de uma democracia e da liberdade, vê-se com o estrito direito de ter para si a glória do outro como glória sua, algo bem típico dos Estados Unidos. Ou mais que isso: o mal resultante desse interesse desmesurado, um narcisismo igualmente sem limites. Esse efeito é bem alcançado por Foxcatcher: em um conjunto diverso de ações e cenas e com um acompanhamento psicológico muito perto das três figuras principais postas em relação na narrativa, Miller constrói e investiga bem os papéis que planejou para suas personagens.

Nesse sentido, o filme compreenderá não apenas um mal estadunidense, ele se amplia, para apontar a irradiação desse mal sobre as sociedades fortemente influenciadas pelo modus vivendi imposto pelos Estados Unidos: o excesso dos egos, a competitividade desnecessária para ser o melhor e a necessidade de, a todo custo, ser sempre o vitorioso, são apenas três exemplos claros desse narcisismo desmesurado imposto pelo individualismo no capital. Tais males, poderão perceber, é quase uma constante social entre os do nosso tempo.


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