A sangue frio, de Truman Capote

Por Pedro Fernandes




A sangue frio é tradução para o português do original In cold blood do estadunidense Truman Capote. O livro foi publicado em 1966, mas um ano antes da prestigiada revista The New Yorker adiantou aos leitores o primeiro dos quatro capítulos. Trata-se, em linhas gerais, de um romance que relata o assassinato de uma família de camponeses de Helcomb, interior dos Estados Unidos. O enredo gira em torno de Richard Hickock e Perry Smith que descrevem com certa maestria e em tom adocicado, muito pelo encantamento do escritor pelo caso e os assassinos (principalmente o segundo, com quem, dizem as más línguas, teria tido um envolvimento amoroso) o assassinato de Herb Clutter, Bonnie Clutter, sua esposa, e os seus dois filhos, Kenyon e Nancy.

Trata-se de uma obra que marcou a literatura estadunidense porque foi uma das primeiras do chamado rol literatura jornalística, em que o escritor se dedica a contar determinado fato de jornal na forma de romance. De certa maneira, uma revisão dos protocolos entre ficção e realidade através de duas necessidades: uma, tornar o acontecimento, geralmente tratado com frieza e objetividade pelos jornais, mais compreensível, ensaiando outros meandros não explorados pela notícia; outra, tornar o fato ficcional mais próximo da verdade buscada pelo romance, uma de seus exercícios desde sempre.

E foi através do jornal que Truman Capote soube do assassinato. O crime foi um daqueles crimes que abalam cidades pacatas do interior e atrai a atenção de todos para o acontecimento; e o então escritor dedicou-se exclusivamente a fazer a cobertura do desenvolvimento das ações de julgamento dos assassinos. O contato com eles terá feito Capote se vê diante de um tema que não poderia ficar preso apenas à matéria policial com o triste desfecho de serem levados à cadeira elétrica; nem esse contato foi amistoso. A fama de não-me-toque do escritor teria, a princípio sido um fiasco na aproximação com Hickock e Smith, bem como dos moradores da cidadezinha, caso que seria contornado com ajuda da amiga, também escritora, Harper Lee (O sol é para todos), que viajou até Helcomb e fez o caminho entre o jornalista e as figuras com as quais construiu os depoimentos que dariam forma ao romance A sangue frio.

Fora o já citado tom adocicado de Truman na construção do relato sobre o crime, o que o livro tem de interessante é o modo como a narrativa procede - o outro lado da história, com direito aos preâmbulos do narrador por todos os espaços e os envolvidos no acontecimento. Ele tem trânsito, como se um jornalista investigativo pela cadeia, onde ficaram presos Richard e Perry, os dramas vivenciados pelos dois até suas condenações, a atmosfera da cidade de Helcomb, da família dos assassinos à rotina da polícia e das investigações. Nada escapa. E é objetivamente e minuciosamente relatado com fôlego jornalístico, mas sem, entretanto, deixar-se reduzir ao mero fato: há o tino literário para as ações. E só por essa questão é o livro indispensável no extenso debate gerado desde então entre literatura e jornalismo, ou como as duas formas são, pelo mesmo modo, tratamentos ficcionais, porque geridos por um ponto de vista.

De grande sucesso e uma quantidade variável de discussões nos Estados Unidos, o romance de Capote ganhou forma de duas maneiras para o cinema: a primeira, em 1967, pelas mãos do diretor Richard Brooks. O filme segue o mesmo título do livro e narra diretamente o assalto frustrado e a morte da família Clutter.

Em 2005, foi lançado o filme intitulado Capote, de Bennett Miller, que daria o Oscar de Melhor Ator para Philip Seymour Hoffman (pela brilhante interpretação que faz do escritor); o filme, entretanto, não se detém na trama da obra; é mais uma tenda de bastidor, conta-nos com se deu o desenvolvimento do livro. Mas também não toma nenhum partido sobre a polêmica envolvendo o escritor quando da escrita do romance.

No ano seguinte, Douglas McGrath dedicou um filme para examinar a relação controversa entre Truman Capote e os assassinos. Apesar de não ter alcançado o mesmo status da produção de Miller, Confidencial, conforme lê a crítica, mergulha nas emoções dos protagonistas dos acontecimentos de Helcomb. Entre os três títulos, recomenda-se, sempre, começar pelos livros, depois é possível ter suas próprias conclusões sobre as leituras feitas pelo cinema.

Comentários

Mariane Mattos disse…
Ótimo texto!
Eu assisti ao filme primeiro, com Philip Seymour Hoffman, só não li ainda A Sangue Frio, apesar de ser uma leitura praticamente obrigatória. hehe
Abraços

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