O rico trabalho de Pilar em torno de José Saramago

Por Pedro Fernandes

Pilar del Río fotografada na Casa dos Bicos, sede da Fundação José Saramago
Foto: Campiso Rocha para Revista Caras


Já em José e Pilar ficamos sabendo de que, ao lado do escritor português José Saramago, esteve uma pulsante mulher de sangue espanhol chamada pelo forte e sugestivo nome de Pilar del Río. Era ela quem cuidava de toda organização da vida pública do escritor: recebendo cartas, acertando viagens, cumprindo protocolos. 

Mais tarde, a jornalista fez-se tradutora da obra do companheiro para o espanhol e desde então tem sido a principal ponte da literatura saramaguiana com os leitores não somente em Espanha e os falantes do espanhol, mas no restante do mundo. Pilar, talvez já tenham dito, é a memória viva de uma figura que, justamente por sua presença marcante, deixou um grande vazio depois de 2010. 

Incontáveis são os percursos realizados por Pilar del Río por tantos países a levar a obra do Prêmio Nobel, que continua a se multiplicar, como se ainda estivéssemos no convívio fraterno de José; nesse ínterim, saíram três livros inéditos a saber: O último caderno, As palavras de José Saramago - organizado por Fernando Gomes Aguilera que também foi curador da primeira grande exposição sobre o escritor, A consistência dos sonhos já visitada no Brasil, depois que teve sua abertura, em Lisboa, Lanzarote, Espanha e agora está no México - e, o segundo romance escrito por Saramago, depois do mal-sucedido Terra do pecado, Claraboia

Os leitores que acompanham tudo isso de perto sabem que outra vez, Pilar percorrerá o mundo com novos papéis de Saramago. Ainda tem nessa bagagem para sair o último texto em que ele trabalhava e que seria o seu último romance: Alabardas! Alabardas!

Mas, o domínio de Pilar não é sobre a obra, não é sobre a memória apenas, é pela descentralização do legado saramaguiano: o desassossego. Entende ela que alguém permanece vivo quando é rotineiramente lembrado. E vivo assim, continuam suas ideias. "Se não o fizesse não seria digna de estar onde estou ... tenho uma vida de trabalho, porque é isso que devo à sociedade" - disse, certa vez, numa das muitas entrevistas dadas na imprensa.

E quem visita a página da Fundação, erguida ainda quando Saramago era vivo e a qual Pilar hoje preside, confirmará o que estou dizendo. Note aí que a quantidade de traduções da obra autor se multiplicam a uma velocidade significativa. Tome-se A viagem do elefante, publicado apenas há quatro anos e até agora disponível em quase quatro dezenas de línguas diferentes, ou ainda a quantidade de adaptações da mesma obra para diversas outras manifestações artísticas em Estados Unidos, México, Espanha, ou os dois anúncios recentes de que ao modo de A jangada de pedra e de Ensaio sobre a cegueira também subirão para a sétima arte O evangelho segundo Jesus Cristo e O homem duplicado, fora as reedições que os livros do autor português têm angariado.

É muito. Não me guio pelos números, mas se fôssemos por aqui na ponta da caneta os cálculos veríamos que Pilar tem feito mais que as rotas de peregrinação de Blimunda em Memorial do convento quando tem notícias do desaparecimento de seu homem, Baltazar, e sai a vagar por Portugal inteira à sua procura. 

***

Falando em peregrinação, depois de transformar a casa de Lanzarote em espaço de passagem, ponto de parada a qualquer viajante e, sobretudo, a qualquer saramaguiano, a Fundação José Saramago está nos preparativos para a inauguração da sua sede em Lisboa. A histórica Casa dos Bicos foi entregue em novembro do ano passado em cerimônia que rememorou os anos de aniversário do escritor português. Mas, a real inauguração deverá ocorrer no mês próximo. O evento será marcado com uma nova exposição - A semente e os frutos, também pelas Fernando Gomes Aguilera. A exposição terá uma vertente multimídia e revelará novos manuscritos de Saramago e os milhares de exemplares das diferentes traduções da sua obra feitas nos últimos anos.


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